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União Suprema: o impacto das decisões do STF na política fiscal brasileira

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Por Gustavo Caputo , Caio Caputo , Alberto Carbonar e Isabella Paschoal
Atualização:
Gustavo Caputo, Caio Caputo, Alberto Carbonar e Isabella Paschoal. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No último mês de setembro, o ministro Luiz Fux afirmou em seu discurso de posse da Presidência do STF que "a harmonia entre os três poderes não se confunde com contemplação e subserviência" . A afirmação foi feita com a clara intenção de pautar sua futura gestão à frente da mais alta Corte do país. A sessão de posse foi realizada de forma presencial e contou com a presença de inúmeras autoridades, das quais, nove, contraíram o coronavírus (COVID-19).

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O simbolismo dos fatos acima reflete de forma muita clara o cenário atual em que vivemos, no qual o país busca superar desafios até então desconhecidos e, ao mesmo tempo, "tropeça" em face a uma pandemia global. Nesse mesmo cenário, administrações tributárias estão desesperadas por novas fontes de receita, na medida em que incorreram em gastos sem precedentes para conter os efeitos econômicos adversos da pandemia.

Somente no Brasil, foram gastos mais de R$ 750 bilhões em medidas fiscais para conter os danos da pandemia - o déficit público fiscal brasileiro será o maior em décadas. Diante desse cenário, é que o Poder Executivo busca alternativas para não "furar" o teto de gastos públicos e ainda não desobedecer a Lei de Responsabilidade Fiscal.

As alternativas até aqui apresentadas para correção da política fiscal do país estão concentradas em redução de gastos e reformas estruturais, as quais, principalmente, se refletem nas reformas administrativa e tributária em discussão no Congresso.

No entanto, ainda que a intenção do Governo seja a de fazer reformas efetivamente impactantes em termos de política governamental, a reforma administrativa (PEC 32/2020), por exemplo, ainda é considerada tímida por especialistas . A reforma se limita a tratar somente de servidores públicos do executivo, sendo que o seu impacto, nos moldes propostos, talvez ainda não seja efetivo aos anseios do país.

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Por outro lado, as propostas de Reforma Tributária (PEC 45, PEC 110 e PL 3.887) têm sofrido bastante resistência para aprovação, pois incorrem em nítido aumento de carga de tributária sobre todos os setores produtivos, ainda que se negue veementemente que essa seja a intenção.

Curiosamente, ao mesmo tempo em que as reformas acima não avançam, uma cruzada pela eficiência processual foi iniciada pela Suprema Corte brasileira . Mesmo diante de uma pandemia que paralisou o mundo, casos de matéria tributária que estavam parados há anos tiveram seus julgamentos quase que instantaneamente retomados. Até setembro deste ano, o STF julgou pelo Plenário Virtual 37 casos de matéria tributária em repercussão geral e controle concentrado de constitucionalidade. De modo recorde e inesperado, a União saiu vencedora em 31 desses julgamentos e evitou uma perda de arrecadação estimada em R$ 500 bilhões de reais . Nunca em sua história, o STF foi tão eficiente em julgamentos de matéria tributária, especialmente em favor da União.

Vale ressaltar que a metodologia utilizada pelo STF em relação à prática dos julgamentos virtuais foi amplamente criticada e questionada por toda a comunidade jurídica, inclusive sob a liderança da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Porém, aspecto tão grave quanto aquele mencionado acima, é o fato - pouco observado - de que os julgamentos do STF têm reflexos diretos na formação da política fiscal brasileira. Isto porque, os julgamentos do STF possuem repercussões não somente nas contas públicas, mas, principalmente, no ambiente de negócios do país.

Como exemplo, pelo menos quatro casos de repercussão geral envolvendo a tributação do comércio internacional estabeleceram duras consequências para a política fiscal brasileira. O primeiro caso é o RE 754917/RS, que estabeleceu interpretação restritiva à imunidade do ICMS sobre a cadeia exportadora brasileira em inobservância do princípio do país de destino, situação que prejudica diretamente a competitividade do Brasil no comércio internacional. O segundo caso é o RE 946648/SC, que fixa a tese de que seria "constitucional a incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no desembaraço aduaneiro de bem industrializado e na saída do estabelecimento importador para comercialização no mercado interno". Ou seja, duplica a tributação na importação de mercadoria para revenda, sem que o fato gerador do tributo reflita processo de industrialização ou agregação de valor. O terceiro é o RE 1178310/PR que se posicionou pela constitucionalidade do adicional de 1% da COFINS-Importação e vedação ao crédito, de modo a estabelecer tratamento discriminatório a produto estrangeiro, em nítida violação ao acordo firmado pelo Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC). Por último, o RE 1090591 que autoriza a retenção de mercadoria importada no despacho aduaneiro quando for verificada pela autoridade administrativa diferença no recolhimento do tributo. Tal situação estimula insegurança jurídica em operações de importação nas quais não haja clareza da interpretação das autoridades na classificação fiscal das mercadorias importadas, de modo que serão necessárias provisões financeiras pelas empresas.

Em termos práticos, as decisões do STF refletem a atual política fiscal brasileira, que difere de outras democracias mais modernas e avançadas ao redor do mundo, haja vista que não estimula uma maior participação do país no comércio internacional em razão de onerar a cadeia industrial exportadora. A organização do regime no país estabelece medidas protecionistas, isolando e desestimulando a inserção nas cadeias globais em razão do alto "custo-brasil", além de não observar acordos internacionais com organismos que regulam as melhores práticas.

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Ficou bastante claro que a Suprema Corte não está exercendo o seu papel imprescindível e de relevância na construção de uma política fiscal que esteja em consonância com os princípios basilares estabelecido pela Constituição. Nos parece faltar sensibilidade política e uma mitigação inapropriada sobre a responsabilidade do Tribunal Constitucional na formação de uma política fiscal que efetivamente possibilite o desenvolvimento econômico e social do Brasil. Não só internamente, mas frente ao mercado externo.

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Não à toa, o país sofreu há dois anos uma derrota relevante na OMC para a União Europeia e Japão, em razão de sua política ilegal de subsídios concedidos à indústria automotiva pelo programa Inovar-Auto e ao setor de tecnologia pela Lei de Informática.

Outro fator que preocupa e contribui para uma política fiscal mais disfuncional, é a atuação estratégica ainda muito tímida no STF pelos setores afetados em casos com repercussão geral e controle concentrado de constitucionalidade. Dos casos apontados acima, somente no RE 946648 consta a participação de amicus curiae para defesa de interesses dos setores afetados. De fato, somente com uma atuação estratégica bem definida e planejada é possível ao contribuinte fazer frente a uma União cada vez forte no STF e mais ávida por arrecadação em um cenário de pandemia.

Diante dessas considerações, é que se espera que uma nova presidência do STF e a chegada do Ministro Kássio Nunes Marques, com especialização em tributação, possam contribuir para um olhar mais atento aos impactos das decisões do Tribunal na política fiscal brasileira. Em outras palavras, espera-se que a harmonia entre os Poderes seja verdadeiramente implementada sem que o Poder Judiciário se alinhe automaticamente aos anseios arrecadatórios da União.

*Gustavo Caputo, Caio Caputo, Alberto Carbonar e Isabella Paschoal, advogados do Caputo, Bastos e Serra Advogados

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