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União Europeia e China na proteção do patrimônio alimentar tradicional

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Por Anita Mattes
Atualização:
Anita Mattes. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Enquanto o acordo de livre comércio entre os países do Mercosul e os da União Europeia (UE), apesar de assinado, não sai do papel por questões claramente políticas e ambientais, a China corre por fora e assina um importante acordo bilateral, concretizando as negociações e os compromissos assumidos no 21° Fórum UE-China, realizado em abril de 2019, em Bruxelas. O acordo reforça não somente a cooperação comercial entre a União Europeia e a República Popular da China, mas principalmente garante o respeito às regras internacionais no tocante à propriedade intelectual, protegendo 100 Indicações Geográficas (IGs) europeias na China e outras 100 IGs chinesas na UE.

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Trata-se de um dos acordos comerciais mais significativos entre aqueles negociados pela União Europeia e pela China nos últimos anos. A primeira razão disso é econômica. O mercado chinês é o segundo maior destino dos produtos agroalimentares e das bebidas europeias, representando anualmente bilhões de euros de exportações - mais precisamente EUR12,8 bilhões entre o período de setembro de 2018 a agosto de 2019 -, além de um alto potencial de crescimento: observa-se que esse valor aumentou 6% (seis por cento) se comparado ao mesmo período do ano anterior.

Ademais, segundo estudo publicado recentemente pela Comissão Europeia, o valor de venda de um produto protegido como Indicação Geográfica equivale ao dobro do valor de produtos semelhantes sem certificação. O cumprimento dessas regras no âmbito internacional é, portanto, necessário e vital para a Europa. Tanto é assim que o acordo prevê inicialmente a proteção de uma lista de 100 produtos, mas o objetivo é que no prazo de quatro anos, contados a partir de sua entrada em vigor, essa lista seja expandida para 175 Indicações Geográficas adicionais em ambos os lados.

Uma segunda causa da importância de tal acordo é a proteção internacional do patrimônio tradicional alimentar sino-europeu. Há muito tempo que tanto a Europa quanto a China vem fomentando inúmeras políticas relacionadas à importância da proteção e da preservação de sua cultura alimentar, de seus produtos e de seu know-how. A forte ligação entre comida e lugar resulta numa importante herança cultural que contribui tanto para a identidade local como para todo o continente onde se situam esses países.

É possível observar essa mesma preocupação política com a alimentação tradicional nas diversas candidaturas propostas junto à Unesco nos últimos anos, visando a proteção do patrimônio cultural intangível, nos termos da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial de 2003. A título de exemplo podemos mencionar, no âmbito europeu, a dieta mediterrânea, a arte dos pizzaiuoli napolitanos, a gastronomia francesa, o pão de gengibre da Croácia, a arte das vinícolas de Pantelleria e diversas outras. Ainda em 2020, o Secretariado da Unesco deverá examinar, no âmbito europeu, a nomeação do conhecimento tradicional referente à arte culinária e à cultura da fabricação do pão de Malta. A China, por sua vez, até o final do ano passado, possuía 40 referências na Lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco, ocupando o primeiro lugar no ranking mundial. Contudo, tendo em vista que a culinária chinesa ainda permanece surpreendentemente desconhecida das listas da Unesco, verifica-se que a China ainda tem muito trabalho pela frente quando se trata de promover o seu food heritage.

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Resta claro, portanto, que o acordo entre a União Europeia e a China desempenha um papel de grande relevância na proteção do patrimônio alimentar tradicional mundial. Entre os produtos chineses da lista estão, por exemplo, o Pixian Dou Ban (pasta de feijão Pixian), o Anji Bai Cha (chá branco Anji) e o Panjin Da Mi (arroz Panjin).

Em relação aos produtos europeus, os de origem francesa e italiana são os mais beneficiados por este acordo, sendo que a lista inclui mais de 40 Indicações Geográficas referentes a vinhos, bebidas e queijos italianos e franceses. Entretanto, o rol de IGs compreende também o famoso vinho do Porto, o whisky irlandês e bebidas alemãs, gregas, polacas, belgas, holandesas e inúmeras outras, levando a crer que esse reconhecimento internacional que visa a preservação e a valorização dos recursos locais dará ensejo a um relevante crescimento econômico, capaz de promover o desenvolvimento local, a geração de empregos e a melhoria da qualidade de vida de ambas as populações.

*Anita Mattes, advogada na área de Direito Internacional e Patrimônio Cultural, é cultore della materia na Università degli Studi di Milano-Bicocca, doutora  pela Université Paris-Sanclay, mestre pela Université Panthén-Sorbone e conselheira do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult)

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