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Uma volta atrás no combate à corrupção

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Por Paula Oda , Manoel Galdino , Roberto Livianu , Bruno Brandão e Andréa Gozetto
Atualização:
Congresso Nacional. FOTO: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO Foto: Estadão

O repúdio à corrupção é um sentimento arraigado em nossa sociedade. Todavia, o arcabouço legal e institucional que dá sustentação ao combate à corrupção está correndo risco de retrocessos graves - e isso está acontecendo neste exato momento - com o projeto de lei 2.505/2021, em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), do Senado Federal, que visa alterar a Lei de Improbidade Administrativa (LIA).

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Atualmente, a LIA é o principal marco legal anticorrupção em vigência no país, sendo aplicável aos casos em que o agente público viola princípios da administração pública, entre os quais a impessoalidade e a publicidade. É, portanto, um pilar fundamental do sistema de integridade brasileiro.

Entre juristas, acadêmicos e agentes públicos, entende-se que é necessário seu aprimoramento, mas sua atualização não pode, sob hipótese alguma, resultar em inefetividade.

A nova versão da Lei, traz claros avanços que devem ser preservados e que garantirão maior segurança jurídica, diminuirão o excesso de punições por erros formais ou inconsequentes e incorporarão modernos instrumentos jurídicos, como os acordos de cooperação. No entanto, há uma série de retrocessos que desfiguram completamente a proposta original.

Destes, é importante salientar, a fixação do prazo de investigação pelo Ministério Público (MP) em 180 dias, passível de ser prorrogado apenas uma vez mais. Casos muito complexos, que envolvem cooperação internacional, por exemplo, não serão apurados devido a esse prazo exíguo.

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Sabemos que justiça tardia é injustiça. Por isso, defendemos que os senadores corrijam esse erro: prazo de um ano, prorrogável por iguais períodos de forma escrita e fundamentada caso a caso, com a chancela do Conselho Superior do MP, com teto de duração de cinco anos, é o adequado para garantir celeridade sem acabar com a possibilidade de punir os casos mais graves.

Restringir a punição, com perda de cargo público, àqueles que ainda estiverem exercendo a mesma atividade que exerciam quando cometeram ato de improbidade, poderá fomentar a impunidade. Isso significa que, se um prefeito for condenado por improbidade por atos que cometeu quando era secretário municipal de Educação, por exemplo, poderá continuar exercendo o seu mandato como prefeito. Ou seja, mesmo condenado, ele será mantido na máquina pública.

Tampouco é justificável excluir da abrangência da Lei os partidos políticos e as suas fundações, que, com o novo texto, mesmo que façam uso indevido ou desviem os recursos públicos que recebem, como o Fundo Partidário e o Fundo Eleitoral, deixariam de ser punidos.

É inaceitável, ainda, que a nova proposta impeça que se puna quem viola a Lei de Acesso à Informação (LAI), por meio da LIA. A LAI, principal lei de transparência do país, é clara ao definir que cabe processo de improbidade administrativa a quem deliberadamente retardar ou se recusar a fornecer informação pública de que dispõe, entretanto, o novo texto invalida uma sanção por descumprimento. Com certeza, violações deste tipo serão mais comuns caso a LIA torne tais condutas livres de punição.

Igualmente, nos parece inaceitável deixar de punir todas as hipóteses de improbidades culposas. Que se exija culpa grave ao menos, mas deixar de punir todas elas, seria salvo-conduto para a impunidade, assim como estender a prescrição retroativa penal (só existente no Brasil) para o campo da improbidade e estabelecer prazo para reparar danos ao erário, que o Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou o entendimento que é imprescritível.

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Além dos graves pontos apresentados até aqui, há outros que merecem muita atenção, porém nos parecem muito distantes de uma possibilidade de debate durante essa votação. Exigir que o Ministério Público prove que o ilícito é fruto de intenção clara de cometê-lo, não bastando a voluntariedade do agente, excluindo-se qualquer possibilidade de punição em casos de culpa grave ou erro grosseiro; exigir a pacificação dos Tribunais, algo não característico do nosso sistema de Justiça; e combinar as esferas penais e administrativas no bojo de uma mesma peça legislativa, são aspectos que também trazem riscos de retrocessos e, por isso, devem ser objeto de debate e aprimoramento.

Somos favoráveis à modernização da Lei, mas estamos atentos às ameaças de desmanche dos marcos legais e institucionais de enfrentamento à corrupção. Esperamos do Senado Federal que honre a construção de décadas destes instrumentos fundamentais para avançarmos na direção de um Estado mais probo, transparente e justo.

*Paula Oda, do Instituto Ethos; Manoel Galdino, do Transparência Brasil; Roberto Livianu, do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac); Bruno Brandão, do Transparência Internacional - Brasil; e Andréa Gozetto, da RAC (Rede Advocacy Colaborativo)

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