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Uma vitória contra a agiotagem oficializada

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Por Euclides Ribeiro
Atualização:
Euclides Ribeiro. Foto: Divulgação

A Câmara dos Deputados pode votar nos próximos dias o projeto que prevê um teto de 30% ao ano para as taxas de juros do cartão de crédito e do cheque especial durante a pandemia do coronavírus. O texto já passou pelo Senado, onde foi aprovado por 56 votos a favor, 14 contrários e 1 abstenção.

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Esse placar aparentemente elástico não significa, no entanto, que haja um consenso sobre os benefícios dessa medida, já realizada em 76 países do mundo durante a pandemia da Covid-19. De todo modo a vitória no Senado significou um importante recado que a sociedade deu para o sistema financeiro brasileiro, reagindo contra a cobrança extorsiva de juros praticada no nosso país.

É notório que a crise econômica causada pela quarentena agravou ainda mais a situação da população que já vinha penando para conseguir pagar as contas. Dados divulgados no final do mês passado pela Confederação Nacional do Comércio mostraram que tanto o endividamento quanto a inadimplência estão em alta no Brasil.

Entre as famílias ouvidas pela pesquisa, 67,4% estavam endividadas em julho de 2020. Esse número é o mais alto da série histórica da pesquisa, que teve início em 2010. O cartão de crédito é disparadamente a dívida mais comum contraída pelas famílias. E a mais perigosa também pois os juros do cartão são colossais, com taxas que ultrapassavam 300% ao ano. Para piorar, o número de famílias que afirmaram à pesquisa que não terão condições de pagar as contas que estão atrasadas nunca esteve tão alto: são 12% no total. Além disso, no período da pandemia, o número de famílias endividadas com menos de dez salários mínimos de renda mensal aumentou. Ou seja, os mais pobres estão num sufoco sem precedentes na história.

Se nada for feito para dar um freio nisso não sabemos até que ponto a nossa sociedade poderá aguentar. O endividamento no cartão de crédito e cheque especial vai criar um passivo enorme nesses tempos de recessão, drenar os minguados recursos das famílias e dificultar ainda mais a retomada da atividade econômica.

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O que causou perplexidade foi o posicionamento dos senadores que viraram as costas para a nossa população com o claro objetivo de pajear os banqueiros. No Mato Grosso, por exemplo, o senador Carlos Fávaro foi o único do Estado a votar contra esse projeto que estabeleceu o teto para os juros.

A débil defesa dos que se mantém alinhados ao poderoso sistema bancário preconiza que a fixação de um limite para a cobrança dos juros poderia causar a redução ou interrupção da oferta de empréstimos, o risco de estímulo aos mercados informais ou mesmo um incentivo para que as pessoas contraíssem mais dívidas já que os juros irão cair.

Ouvir uma argumentação dessa nos faz perguntar em que país (em que planeta!) esse povo está vivendo. Dá até vontade de gritar: "saia um pouco do ar condicionado do Senado meu caro parlamentar!". Chantagear o povo com a teoria do caos já não cola mais pelo simples motivo de que os exemplos práticos que tivemos demonstraram um efeito diametralmente oposto.

Há lições a serem seguidas nos quatro cantos do mundo de países que estabeleceram limite de taxas de juros dos cartões de crédito e do cheque especial. E não sei se nesses lugares ainda exista congressista que se preste a defender a armadilha da ciranda financeira, da agiotagem oficializada, da exploração sem medida de aplicação de juros exorbitantes goela abaixo da população empobrecida. Aqui certamente não vai pegar bem.

Quem está plantando lobby para beneficiar os banqueiros terá dificuldade para colher votos nas próximas eleições.  Antes dessa pandemia, 65% das famílias brasileiras já estavam endividadas; e os bancos tiveram lucro no ano passado de R$108 bilhões. Está difícil para eles? Não, está difícil para nós.

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Só para se ter uma ideia, no mês de junho a taxa de juros média total cobrada pelos bancos no rotativo ficou em 300,3% ao ano, ou 12,2% ao mês. Para quem contraiu, por exemplo, uma dívida de R$ 5 mil no cartão no período, viu o seu débito ser acrescido em R$ 612,00 de juros. As famílias não só se endividam muito como se endividam muito comprando pouco. Se o projeto de lei for aprovado, o mesmo empréstimo de R$ 5 mil vai gerar R$ 110 de juros - uma economia de R$ 502, ou um valor 80% menor de juros em relação ao que é praticado hoje.  Isso sem contar que para valores maiores a economia poderá ser ainda mais robusta.

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Não tem mais cabimento submeter o trabalhador a uma balança que pendula de forma tão desequilibrada. Essa política atual faz com que as pessoas gastem mais com os juros do que com o próprio valor do produto adquirido. A conta é evidente. Em termos práticos, pagam quase o dobro, às vezes mais. Dito de outra forma, compram a metade do que o dinheiro delas poderia comprar, se fosse à vista. Com isso as famílias deixam de expandir o seu consumo, pois a sua capacidade de compra foi apropriada pelos intermediários financeiros.

Esperamos agora na Câmara dos Deputados a mesma vitória que obtivemos no Senado. E que cada vez mais vozes que defendem esse sistema tão nocivo ao trabalhador se transforme em sussurros moribundos de defesa dos encastelados. A mensagem da população está clara. Os agiotas oficiais terão que engolir um pouco da sua ganância. E seus emissários que tratem de expurgar tamanha desumanidade.

*Euclides Ribeiro, Fundador da Universidade de Recuperação Judicial e ERS Advogados de Recuperação de Empresas e Empresários

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