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Uma tragédia anunciada no trânsito

Por Alysson Coimbra de Souza Carvalho
Atualização:
Alysson Coimbra de Souza Carvalho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

As imagens de uma carreta arrastando um motociclista em alta velocidade por uma rodovia federal de Santa Catarina chocaram o país. Anderson Pereira, de 49 anos, estava com sua mulher na garupa quando foi atingido pelo veículo, mas o caminhoneiro não parou para prestar socorro. Sandra Pereira, de 47 anos, chegou a ser levada em estado grave para o hospital, mas não resistiu.

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Nas imagens, Anderson aparece pendurado na cabine e, segundo a polícia, pediu para o caminhoneiro parar, mas ele se recusou e arrastou a motocicleta por mais de 30 km. No veículo, foi encontrada uma porção de cocaína e o motorista informou que estava há dois dias sem dormir e que tomava remédios para se manter acordado.

A privação de sono e o uso de substâncias psicoativas são estratégias comuns a um grande número de motoristas de veículos pesados que trabalham sob forte pressão em longas jornadas de trabalho para cumprir prazos cada vez mais curtos. Em 2019, uma pesquisa realizada pelo projeto Comandos de Saúde nas Rodovias em São Paulo, um programa da CNT, revelou que 7,8% dos motoristas desses veículos no Brasil fazem o uso de substâncias como anfetamina, cocaína e maconha. O levantamento, feito por um período de oito anos, avaliou 4.110 caminhoneiros. A substância mais presente foi a cocaína (3,6%), seguida da anfetamina (3,4%) e da maconha (1,6%).

O uso de drogas afeta a capacidade de dirigir com segurança e coloca todos os integrantes do Sistema Nacional de Trânsito em risco, já que o peso e dimensões desses veículos provocam acidentes proporcionalmente mais letais. Esse cenário, somado à flexibilização das leis de trânsito para a categoria e ao afrouxamento da fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF) contribuem para que tragédias como a ocorrida em Santa Catarina voltem a ocorrer.

O perigo está na expansão do prazo de validade para a renovação da CNH dos motoristas profissionais. Em nome da desburocratização, o governo deu aos motoristas profissionais o mesmo tratamento dispensado aos condutores comuns.

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Manter esses motoristas distantes da avaliação de especialistas em Tráfego por até 10 anos é abrir mão de um importante mecanismo de detecção precoce de doenças e inaptidões. Muitas vezes, o exame obrigatório é a única oportunidade de acesso a um profissional de saúde. O preço disso é o aumento de uma legião de motoristas doentes e despreparados para dirigir de forma segura.

Não se pode negligenciar o risco atribuído ao todo em detrimento do benefício de uma pequena parcela de veículos, não existe aplicabilidade do princípio da isonomia quando o que se está em risco é a segurança de todos nós.

Estamos caminhando na contramão dos países desenvolvidos, que tratam a segurança viária como uma questão de saúde pública. Não é à toa que, infelizmente, o Brasil ocupa o topo do ranking de países com maior número de mortes no trânsito.

*Alysson Coimbra de Souza Carvalho é médico especialista em Medicina de Tráfego e coordenador da Mobilização de Médicos e Psicólogos Especialistas em Trânsito

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