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Uma política ambiental para o século 21

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Por Maria Eduarda de Larrazábal
Atualização:
Maria Eduarda de Larrazábal. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A criação na década de 1980 e gradual consolidação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) representam uma conquista para a sociedade brasileira. A composição equilibrada dos 96 assentos no conselho com representantes do governo, do setor privado e da sociedade civil propiciava o aprofundamento técnico das análises dos pedidos de licenciamento ambiental e na formulação de resoluções, em que aspectos de política governamental, empresariais, ambientais e sanitários eram discutidos considerando a ciência e os interesses do conjunto da população.

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Em novembro de 2019, o governo alterou a composição do Conama. O número de assentos foi reduzido para 23, dos quais apenas quatro são destinados à sociedade civil. Na prática, o governo e setor privado passaram a comandar o conselho e o que se previa então era um desequilíbrio nas decisões em prol de interesses empresariais.

Com base no artigo 225 da Constituição Federal, que versa sobre a proteção do meio ambiente, a então procuradora geral da República, Raquel Dodge, tentou impugnar a alteração na composição do Conama. Até o momento, a ministra Rosa Weber, do STF, não se pronunciou sobre o pedido da procuradora.

Se havia alguma dúvida sobre as motivações e riscos da mudança no Conama, ela se dissipou no dia 28 de setembro. Numa sessão convocada em regime de urgência pelo Ministro do Meio Ambiente, o Conama, sem qualquer oitiva da sociedade ou discussão prévia em câmaras técnicas, tomou quatro decisões com graves impactos negativos.

O Conama revogou a resolução 302/2002, que dispunha sobre áreas de preservação permanente (APPs) de 30 metros ao redor de reservatórios artificiais. A revogação significa que será possível, por exemplo, construir empreendimentos imobiliários e industriais às margens das represas da Cantareira e Billings, em São Paulo. É cedo para apontar a extensão dos danos, mas se pode vislumbrar a contaminação das águas de reservatórios que, em muitos casos, abastecem zonas urbanas.

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O conselho revogou a resolução 303/2002, que protegia os manguezais e as faixas de restinga, incluídas em APPs. Avançar sobre o fértil ecossistema dos manguezais significa colocar em risco a reprodução de peixes, aves, moluscos e crustáceos, com impactos negativos, por exemplo, para a pesca. Em relação às restingas, vegetação que protege o litoral, a revogação permitirá a construção de empreendimentos imobiliários, como resorts, mais próximos do mar.

O Conama também revogou a resolução 284/2001, que exigia eficiência de energia e consumo de água para o licenciamento de projetos de irrigação. A consciência da importância da água é crescente e já se projeta um cenário em que a água terá valor comparável ao petróleo. A resolução não impedia o uso da água para a irrigação, mas coibia o desperdício.

Por fim, o Conselho revogou a resolução 264/1999 e aprovou nova resolução que permite a queima de embalagens com resíduos de pesticidas, inseticidas, fungicidas e da indústria farmacêutica em fornos para produção de cimento. A OMS recomenda que a queima dessas substâncias seja em ambientes controlados para evitar riscos à população. Infelizmente, não houve a devida análise técnico-científica para determinar, por exemplo, se os filtros das fábricas de cimento são capazes de reter gases tóxicos derivados da combustão desses resíduos.

Evitando a politização do tema, o que não cabe aos conselhos de Biologia (Sistema CFBio/CRBios), mas cumprindo nosso papel institucional de proteção da sociedade em nossa área de atuação, procuramos entender as motivações para a tomada de decisões tão danosas. Nossa conclusão é que, primeiro, há um contexto mais amplo de negação da Ciência, um fenômeno mundial que ficou evidente durante a pandemia da Covid-19. Teorias da conspiração, reverberadas nas mídias sociais, põem em dúvida consensos científicos construídos ao longo de décadas de pesquisas.

No caso específico da reestruturação do Conama e das decisões recentes, as motivações seriam a necessidade de agilizar licenciamentos ambientais e reduzir entraves aos negócios. Novos investimentos, do setor privado e estatal, produziriam empregos, renda e mais arrecadação de impostos, beneficiando toda a sociedade, essa é a lógica.

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Em resumo, estaríamos diante da escolha entre desenvolvimento e proteção ao meio ambiente. Com respeito aos que ainda pensam assim, esse se trata de um dilema anacrônico, talvez válido para o século 20, mas não para o atual. Destruir manguezais e restingas, poluir reservatórios, desperdiçar água e lançar gases tóxicos no ar é um mau negócio. O modelo do desenvolvimento "sujo" pode até resultar em lucro para uma minoria, mas impõe prejuízos irreparáveis para a grande maioria. E se a lucratividade é o balizador dos investimentos - e é natural que seja assim - as grandes oportunidades estão no desenvolvimento sustentável, que para ser trilhado necessita de uma política ambiental adequada ao século 21.

*Maria Eduarda de Larrazábal, bióloga e presidente do Conselho Federal de Biologia (CFBio)

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