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Uma nova ideia de reforma tributária

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Por Daniel Calderon
Atualização:
Daniel Calderon. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

A tão aguardada reforma tributária ganha novos capítulos a cada proposta discutida pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes. Especulações à parte, representado contadores e advogados da área tributária que realmente pensam na adequação social dos tributos, gostaria de exemplificar algumas mudanças substanciais que poderiam fazer um efeito positivo em nossa pesada carga atual.

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A minha proposta parte da progressividade na tabela de Imposto de Pessoa Física, com alíquotas progressivas maiores dos que os atuais 27,5% para maior renda, ou seja, os que ganham mais. Isenção de IR para quem ganha até R$ 6 ou 7 mil mensais, com novo imposto para compensar.

Chamaria esse novo imposto a ser criado de IGL + T. Imposto sobre Grandes Lucros e Tecnologia. Como funcionaria? Todas as empresas que apresentarem um lucro líquido (aquele lucro final, já descontado todas as despesas, custos e impostos), no valor entre R$ 100 milhões e R$ 1 Bilhão, pagaria 1% de IGL. Empresas de lucro líquido acima de R$ 1 bilhão, pagariam 2% de IGL. Em troca desse novo imposto, todas as pessoas físicas com renda até R$ 6 ou 7 mil deixariam de pagar Imposto de Renda.

Como sei quais empresas seriam tributadas? Fácil, basta pegar as demonstrações financeiras publicadas com base nas normas contábeis vigentes e verificar o lucro líquido. Assim, não terá brecha jurídica para não pagar imposto. Seria feito de maneira simples, com as formalidades e legalidades previstas.

Imagina o efeito disso. Primeiro em relação a arrecadação. Existem no Brasil, em média anual, mais de 500 empresas nessa situação. Considerando que a soma desse lucro líquido é de centenas de bilhões, o valor a ser arrecadado é de aproximadamente alguns bilhões.

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Agora, vamos imaginar o efeito de quem ganha R$ 6 mil por mês e tem descontado 27,5% de IR, ou seja, R$ 1.650,00. Esse valor ficaria diretamente no bolso dessas pessoas. Qual seria o efeito dessa mudança ? Estes milhões de trabalhadores, sem dúvida nenhuma, poderiam vislumbrar novas oportunidades educacionais para seus filhos, ter um plano de saúde adequado, consumir novos produtos e serviços. Uma menor escala populacional se utilizando do sistema publico, ajudando a desafogar todo o sistema e consequentemente diminuindo os gastospúblicos.

Além disso, esse novo consumo das pessoas reflete em grande escala na arrecadação do governo dos impostos que incidem sobre os produtos e serviços, com mais gente consumindo, estimulando a concorrência entre empresas, novas oportunidades de empreendedorismo, geração de novos empregos, enfim girando a economia. Seria uma espiral de novos consumos que geram toda a rotatividade econômica que precisamos. O imposto sobre o consumo, com certeza terá uma arrecadação maior. E, de cara, podemos simplifica-los para em segundo momento diminui-los.

Claro que os pessimistas pensariam: quem garante que essa sobra de valor será consumida? Ora, quem está nessa faixa de renda, com certeza não pensaria em especular o dinheiro, como aqueles dividendos que os acionistas levariam na diferença de 1% ou 2% a menos que a empresa de lucro bilionário pagaria. Seria consumo, com certeza, com melhoria de vida e de bem estar.

E quem me garante que as empresas não aproveitariam o imposto zero da renda mais baixa para diminuir salários? Ora, se as grandes fizerem isso, aumentam seus lucros e por consequência o IGL de que falei acima. Além disso, mesmo que ao longo do tempo fizerem isso, ainda sim acredito que a renda será maior do que a antiga.

Com o passar do tempo, com mais renda, os contribuintes das classes menos favorecidas terão mais oportunidades. Vou seguir com um exemplo excelente do historiador Yuval Noah Harari, na sua obra best seller "Sapiens: uma breve história da humanidade". Ele diz que o crédito é um tributo às capacidades incríveis da imaginação humana, que se baseia na confiança das pessoas em um futuro melhor do que a situação atual.

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Imaginemos, reprisando o exemplo utilizado pelo autor israelense, que alguém decide abrir um banco e recebe o depósito de um empreiteiro, no valor de R$ 1 milhão. Pois bem, na sequencia o banqueiro recebe a visita de uma chef que deseja abrir uma padaria, mas não possui dinheiro suficiente. Ela pede ao banco um empréstimo de R$ 1 milhão para construir sua padaria. E contrata o mesmo empreiteiro antes citado para fazê-lo. Este empreiteiro constrói a padaria da chef e recebe como pagamento um cheque de R$ 1 milhão, que deposita no banco. Agora o empreiteiro tem R$ 2 milhões depositados no banco, mas na verdade só há R$ 1 milhão realmente na instituição financeira.

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Este é o crédito, que somente pode existir com base na mútua confiança entre os envolvidos: o banqueiro, o empreiteiro e a chef. E porque todos eles esperam que o futuro seja melhor: a chef confiando que vai vender pães suficientes para ter dinheiro, o banqueiro confiando que a chef lhe pague o empréstimo e o empreiteiro confiando na solvência do banqueiro.

Esta confiança no futuro que possibilitou, segundo o citado autor, o "crescimento do bolo", ou seja, um aumento da riqueza mundial. Quando se gera riqueza, mais se aumenta o bolo e todos podem aumentar sua fatia. E quanto mais desenvolvimento e crescimento econômico há, mais a confiança no futuro aumenta. E quanto mais confiança, mais crédito é disponibilizado no mundo.

Outro efeito relevante do novo imposto: essa sobra de lucro líquido tributada nesse novo imposto, deixaria de estar nas mãos do mais ricos e do mercado especulativo para passar ao consumo da classe mais baixa.

Aí vem outro ponto de minha percepção como técnico da área contabil e tributaria. Como bem disse o jovem historiador holandês, Rutger Bregman, temos que tributar a renda preguiçosa. Demonstro o que significa isso aqui no Brasil.

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Mais um exemplo: Um trabalhador com aquela mesma renda de R$ 6 mil, paga IR de 27,5%. Um investidor na Bolsa de Valores, em uma operação comum, com ganho de R$ 6 mil paga 15%. A primeira vou chamar de renda do trabalho, a segunda de renda especulativa, de segunda renda. Qual é a renda mais justa de se tributar mais? Então, concluo aqui que as rendas de aplicações financeiras e do mercado de ações também devem subir alguns pontos percentuais. É justo, é renda não essencial. Não estimula a economia, gera nova renda especulativa, que gera nova renda financeira.

Outra renda que deveria ter uma tributação federal é a de herança e doação. Além do ITCMD, precisamos cravar alguns pontos percentuais em um tributo federal para esse patrimônio, fruto de renda não conquistada por quem recebe, aquela "renda não suada".

Por fim, lembra do +T, citado acima. Vamos a ele. Temos que lançar um imposto sobre a tecnologia e seus monopólios. Aqui, abro sugestões de como fazer isso, como chegar na base de cálculo adequada e quais atividades especificas entrariam nesse imposto. Para as grandes empresas de tecnologia que detém uma fatia gigante do mercado, um número gigante de usuários e ainda contribuem pouco com a causa tributaria. Nosso sistema tributário é da década de 1960 e nessa época, a economia era voltada as indústrias. Temos que listar e desenhar uma base de cálculo com base em fatia de mercado, ou então de faturamento e tipo de atividade para que os gigantes desse mercado contribuam com uma fatia a mais nesse bolo de arrecadação. Nós, usuários de redes sociais e de aplicativos, smartphones, redes virtuais, jogos, deixamos para eles um poder absoluto de conhecimento sobre nós e sobre tudo que gira em nossa volta, é justo que se compartilhe em forma de imposto.

A questão é como sair da teoria e convencer o mercado e os políticos de tributar a parte de cima da pirâmide que, por interesse, nunca ousaram mexer?

Minha ideia: fazer uma consulta pública para essas empresas: Empresa A, estaria disposta a contribuir com mais 1% ou 2% do seu lucro líquido e em troca disso, todas as pessoas que ganham até R$ 6 mil não pagariam imposto? Se esse resposta fosse aberta e honesta a todos os brasileiros, 90 % das empresas, que não discordamos, já contribuem e muito para economia brasileira, em função de seus valores e até da repercussão de seus produtos e serviços e, mais ainda, com consumo até mesmo maior, falariam que sim.

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Entretanto, se essa mesma pergunta fosse feita de maneira fechada, o resultado seria, como sempre foi, 90% responderiam - "Não, já contribuo demais".

Acredito que com essas medidas e outras ideias discutidas com profissionais que vivenciam a área tributaria no dia a dia, teremos uma economia mais adequada a realidade atual, impostos mais justos e preparada para receber a segunda fase da reforma tributária que teria que vir no futuro.

*Daniel Calderon é contador, advogado, empresário da área contábil e tributária e sócio da Calderon Contabilidade

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