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Uma lei de responsabilidade político-criminal para o Brasil

É digno de nota que estudo promovido pela Associação Latino-Americana de Direito Penal e Criminologia aponte que desde a redemocratização do Brasil e o advento da Constituição de 1988 se tenha elaborado por ano, em média, o dobro de leis penais e processuais penais do que ao longo de todo o tempo da vigência da ditadura militar.

Por Renato Stanziola Vieira
Atualização:

Algo de errado existe na democracia brasileira se de 1940 até 1985 foram editadas 91 leis de conteúdo penal e no curto período entre 1985 e 2011 esse número tenha sido de 111. E é vergonhoso se ter de admitir que tamanho recrudescimento de leis penais, com tão franco gigantismo do 'Estado penal' tenha galgado o Brasil à terceira população carcerária do mundo, atrás em números absolutos somente da China e dos Estados Unidos, conforme dados oficiais recentemente divulgados pelo Ministério da Justiça.

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Nesse estado inconstitucional de coisas, em que é inconcebível e de todo injustificável a expansão de leis penais e processuais penais que sempre vieram com redução de direitos e garantias dos indivíduos e novas previsões de tipos penais e aumentos de pena, chega a ser também vergonhoso que se tenha chegado ao ponto de se cogitar de uma lei de responsabilidade penal. Afinal, precisávamos dela? Por quê?

Sim, é vergonhoso se chegar a isso, mas se chegou. E, por isso, para não dizer de forma tardia, em boa hora a Câmara dos Deputados aprovou por sua Comissão de Constituição e Justiça o texto do Projeto de Lei 4373/2016, do Deputado Wadih Damous, que cria a chamada Lei de Responsabilidade Político-Criminal.

Dizer o óbvio é algo que incomoda. Mas, no Brasil, em que noções tão conceitualmente úteis quanto praticamente estéreis como 'eficiência', 'eficácia', 'responsabilidade' são repetidas como mantra, uma "lei de responsabilidade político-criminal" era algo infelizmente urgente.

Não é minimamente aceitável se cogitar a imposição de novos tipos penais, alterações para aumentar penas de tipos já existentes e tornar mais rigorosa a execução penal, sem critérios sérios e prognoses de impacto social e orçamentário, com dados estatísticos e projeções da mesma natureza.

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Não é responsável, tampouco, se caminhar na mesma senda sem ter como referência o número de processos que serão levados ao Poder Judiciário e o número de vagas no sistema prisional, tudo sem considerar as ainda timidamente utilizadas medidas alternativas à própria prisão, fruto de advento de reforma processual penal de 2011 (Lei 12.403).

A lei de responsabilidade político-criminal vem em momento que, espera-se, tenha se atingido a maturidade inclusive para não ser vista como um puro e simples diagnóstico derrotista do estado de coisas orçamentário em que vivemos.

Pensar no custo judicial de novos processos e no custo de manutenção de cada novo preso, não é um cálculo meramente orçamentário, conquanto essa razão já seja o bastante para se refletir sobre a irresponsabilidade que tem guiado nossa política criminal nas últimas décadas.

Na verdade, o cálculo orçamentário deve ser até mesmo uma premissa indiscutível para qualquer planejamento público em torno de medidas de direito penal, processual penal e execução penal, por mais rico que seja o Estado.

Mesmo que vivêssemos em estado de bem-estar e com saúde financeira, com orçamento que permitisse dispêndios altos em construções de presídios e multiplicações de processos criminais, a razão que motiva o advento da lei de responsabilidade criminal permaneceria: é preciso combater a burrice da irresponsabilidade legislativa que guiou a política criminal brasileira dos últimos anos.

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A mudança, pois, é de mentalidade, o que supõe seriedade dos gestores das políticas públicas em matéria que cuida da liberdade dos cidadãos.

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Espera-se inclusive que a racionalidade chegue aos demais atores da justiça criminal, pois aí impera a lógica do "xerifismo" não só acusatório mas também judicial, ecoando o discurso vazio de que segurança se obtém com mais prisões, endurecimento penal e na execução penal.

Os diagnósticos conhecidos são claros a indicar que mais tipos penais, penas mais altas, menos direitos processuais e execuções penais mais duras não inibem a criminalidade. Ao contrário, no Brasil chegam até a ser fatores criminógenos.

Quem sabe agora, com o discurso enfim mais racional, justamente porque não populista e mais atento às complexidades inerentes à gestão da política criminal como autêntica política pública compromissada com as promessas democráticas, essa perniciosa situação comece a se alterar.

Política criminal não se faz com a bile, nem com visão míope e eleitoreira. A idealização de tipos e penas não é álibi político nem muito menos jurídico. E, também, a utilização simbólica de leis penais draconianas tampouco se constitui como honesta prestação de contas ao povo brasileiro.

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O que se espera agora é que o referido Projeto de Lei que cria a Lei de Responsabilidade Político-Criminal no Brasil seja aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente da República. Enrubescidos, agradeceremos.

Renato Stanziola Vieira, advogado, sócio de Andre Kehdi & Renato Vieira Advogados, diretor do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

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