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Uma explosão chamada São Paulo

Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Como explicar o exagerado crescimento da pequena vila que se originou da iniciativa jesuítica de criar um colégio no Planalto de Piratininga? O ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso adverte que a tendência de atribuir a industrialização paulista exclusivamente ao acúmulo de capital gerado pelo café é falaciosa. Esse dinheiro poderia ter sido aplicado em outro local do país. Já existiam grandes proprietários rurais, e a vocação bandeirante sempre foi de minifúndios, os chamados "sítios", verdadeiras autarquias, em si bastantes para a vida folgada do proprietário e sua família. Quem se propusesse a adquirir fazendas de grande dimensão, teria de recorrer a outros Estados, e não ao chão paulista.

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Outras causas podem ser invocadas: o deslocamento das fazendas para o Oeste paulista, que tornou Santos o principal porto exportador do café; o crescimento, no interior de São Paulo, das cidades e de uma pequena burguesia urbana, que forneceu mercado para a indústria nacional. Mais ainda, o impulso dado pela plantação de café à mentalidade de lucro e à racionalização da empresa.

O autor Richard P. Momsen Jr, em seu livro "Routes over the Serra do Mar", publicado em 1964, tenta elucidar o crescimento desordenado da capital. Menciona a existência de uma única estrada regional ligando São Paulo a Santos e impedindo que a cidade marítima viesse a exercer o papel de vértice de outras estradas para prospeccionar o interior. Depois, a convergência para a capital de estradas que serviam a um grande planalto produtivo. Só que a explosão paulistana teria sido impossível se o Estado apenas exportasse commodities, produtos agrícolas não beneficiados, sem valor agregado. O fator mais relevante foi o desenvolvimento industrial alicerçado em matéria-prima regional.

Foi o que tornou desnecessária a dupla travessia da serra, que era obrigatória quando a matéria-prima era trocada pelos manufaturados estrangeiros. Quando São Paulo passou a ganhar mais com a produção do interior do que lhe rendia a importação, a cidade, efetivamente, se tornou essa incrível metrópole.

A falta de planejamento acompanha o crescimento da urbe. Para o respeitado urbanista Jorge Wilheim, a falta de planejamento físico deriva do desamor pela cidade, próprio aos paulistanos. Segundo ele, o longo período durante o qual a hierarquia urbana vivia dispersa e ruralizada, criou a tradição de alheamento dos negócios municipais. Isso se refletiu na ação frágil e intermitente da Câmara de Vereadores. Algo que persiste até o momento. Embora o município tenha sido alçado à categoria de entidade federativa, o Judiciário emascula as Câmaras Municipais e fulmina de inconstitucionalidade qualquer providência tomada em favor da população local. Exemplo disso foi a declarada incompatibilidade das leis que proibiam queimada de palha de cana-de-açúcar e, mais recentemente, a vedação de se impedir que fossem distribuídos folhetos nas vias públicas de uma cidade do interior.

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Contribuiu para deixar São Paulo ingovernável, o fato de que o afluxo populacional no século XIX era composto por grupos flutuantes - estudantes, vendedores ambulantes, escravos libertos, imigrantes proletários - gente que não era típica portadora de sólidas tradições de lealdade cívica. A partir de 1870, a concessão de terrenos municipais para a especulação imobiliária reduziu as possibilidades de crescimento orgânico concêntrico. A expansão foi processo desordenado e se resumiu ao preenchimento de espaços, com ligações de núcleos periféricos entre si.

As recomendações de Jorge Wilheim não foram inteiramente observadas. Ele propunha 1. Um grande anel de estacionamento à volta do centro, destinado a ser um terminal circular para as artérias radiais. O transporte no centro se resumiria ao metrô; 2. Saneamento e requalificação dos grandes rios - Tietê, Pinheiros, Tamanduateí (por sinal, foi a existência e disponibilidade deles que levou Anchieta e Nóbrega escolherem o planalto para o Colégio fundado em 1554) - com a incorporação das respectivas bacias ao sistema urbano, como zonas de recreio, moradia e artérias de transporte.

O Tamanduateí foi enterrado. O Tietê um insucesso crônico, devido ao longo lançamento de esgoto e resíduos químicos em sua passagem por Guarulhos. O Pinheiros mereceu tratamento necessário e mostra que é possível devolver um pouco de ecologia a esta inacreditável megalópole, desde que haja vontade política.

A juventude paulistana pode e deve fazer a sua parte. Devolver amor a São Paulo. Como disse e cantou um dia Criolo, "falta amor a São Paulo".

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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