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Uma afronta

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Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Fernando de Noronha. FOTO: FELIPE MORTARA/ESTADÃO  

I - O FATO

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Segundo a revista Exame, o próximo leilão de exploração marítima de petróleo, marcado para 7 de outubro, inclui, entre suas 92 ofertas, blocos com impacto direto e sobreposição a algumas das regiões mais sensíveis e importantes do ecossistema de recifes do Brasil. Trata-se da "Cadeia de Fernando de Noronha", que envolve a sequência de montes submarinos que se conecta no litoral e que forma o arquipélago de Fernando Noronha e a reserva biológica Atol das Rocas.

O Estadão teve acesso a um estudo técnico realizado por pesquisadores e professores do Departamento de Oceanografia (Docean) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP). Os especialistas se debruçaram sobre os dados técnicos dos blocos que serão oferecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Observo ainda do que foi divulgado pela revista Exame:

"O levantamento revela que, entre os 92 blocos que a ANP vai ofertar para exploração de grandes petroleiras, estão aqueles da chamada "Bacia Sedimentar Potiguar", uma área que tem blocos com impacto direto em três bancos submarinos da cadeia de Fernando de Noronha. São os chamados bancos Guará, Sirius e Touros. Os estudos revelam que dois desses blocos atingem diretamente cerca de 50% da área da base do monte Sirius e 65% de seu topo.

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Do fundo do mar, o Sirius avança sentido à superfície e chega a ficar a apenas 54 metros abaixo do nível do mar. Trata-se, portanto, de uma área extremamente rasa. O mesmo impacto direto foi identificado sobre os bancos Guará e Touros.

Localizado na região oeste da cadeia de Noronha, o Sirius é o banco mais importante para manter a ligação dos ecossistemas oceânicos da Região Nordeste. Entre ele e o Arquipélago de Noronha está localizado o Atol das Rocas. Dada a sua importância ecológica, o Atol se tornou, ainda em 1979, a primeira unidade de conservação marinha do Brasil. Hoje, é classificado como uma reserva biológica."

Laudo técnico realizado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) não recomendou a inclusão do bloco. Em uma nota técnica disponível na página da 17ª rodada da ANP, o instituto afirmou ser "temerária" a inclusão dessa área por causa da proximidade com Noronha e Atol das Rocas, ambos berçários naturais."

II - A BACIA POTIGUAR

A Bacia Potiguar é uma bacia sedimentar brasileira localizada ao longo da costa do estado do Rio Grande do Norte e extremo-leste do estado do Ceará.

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Possui uma área de 119.030 mil quilômetros quadrados, sendo 33.200 km2 emersa e 86.100 km² submersa. O início da exploração petrolífera dessa bacia se deu a partir de 1952 em terra (com a primeira descoberta no campo de Mossoró em 1979) e 1972 no mar (com a primeira descoberta no campo de Ubarana em 1973), segundo a Agência Nacional do Petróleo - Bacia Potiguar.

O Alto de Fortaleza define seu limite oeste com a Bacia do Ceará, enquanto que o Alto de Touros define seu limite leste com a Bacia de Pernambuco-Paraíba.

Apenas o setor SPOT-AP2, em águas profundas da Bacia Potiguar, sobrepõe-se a 61 espécies ameaçadas de extinção, como nos revela o Valor.

III - A AVALIAÇÃO AMBIENTAL E ÁREA SEDIMENTAR

A riqueza dessa região em seu aspecto ambiental é incomensurável.

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Tudo isso é deveras preocupante.

As regiões que são objeto de discussão são de alta sensibilidade ambiental e com muita riqueza biológica.

A flora e a fauna da região estarão em perigo.

Ouvido o professor Luis Enrique Sanchez, da Escola Politécnica da USP, afirma que, durante as atividades de exploração sem as devidas informações, "podem acontecer impactos diretos no fundo do mar e afetar áreas que abrigam uma quantidade de seres vivos". Para Sanchez, também é importante levar em conta a possibilidade de acidentes com vazamento de petróleo e quais áreas seriam atingidas antes de uma ação de contenção do vazamento. Especialmente em uma região tida como muito importante em termos de biodiversidade.

À luz da Resolução CONAMA 237, de 19 de dezembro de 1997, artigo 1º, III, estudos ambientais são estudos relativos aos aspectos ambientais relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de uma atividade ou empreendimento apresentado como subsídio para a análise da licença requerida, tais como relatório ambiental, plano e projeto de controle ambiental, relatório ambiental preliminar, diagnóstico ambiental, plano de recuperação de área degradada e análise preliminar do risco(Dicionário de Direito Ambiental, pág. 167).

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Em 2012, por meio da Portaria Interministerial MME - MMA nº 198/2012, foi instituída a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar(AAAS), que tem como um dos objetivos subsidiar as ações governamentais com vistas ao desenvolvimento sustentável e ao planejamento estratégico de atividades ou empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural.

O instrumento central do processo da AAAS é o Estudo Ambiental de Área Sedimentar(EAAS) que possui característica multidisciplinar de abrangência regional, e tem como objetivo principal subsidiar a classificação de aptidão de áreas com vistas à outorga de blocos exploratórios de petróleo e gás natural, bem como produzir informações ambientais regionais para subsidiar o licenciamento ambiental de empreendimentos específicos.

Conforme determinado na Portaria MME-MMA nº 198/2012, as áreas sedimentares serão classificadas como aptas, não aptas e em moratória.

Essa avaliação levaria em conta o impacto ambiental e socioeconômico causado em toda a área da bacia. A ANP substituiu a AAAS por um parecer do Ministério do Meio Ambiente "ignorou riscos à população e à biodiversidade brasileira". Isso é inadmissível.

Tudo indica que a falta desta análise mais detalhada também levou à ausência de estudos e simulações em casos de acidentes durante a exploração do petróleo.

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Segundo o site da Empresa de Pesquisa Energética, um Estudo Ambiental de Área Sedimentar (EAAS) é um estudo de planejamento que avalia quais áreas numa região são aptas ou não aptas (isto é, adequadas ou inadequadas) para exploração de petróleo e gás natural, buscando respeitar o meio ambiente e a população. Para as áreas consideradas aptas, tem também como objetivo "promover a eficiência e aumentar a segurança jurídica nos processos de licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos de exploração e produção de petróleo e gás natural".

Prossegue-se naquele site:

A Portaria Interministerial MME MMA 198/2012 (pags 98 e 99) criou as Avaliações Ambientais de Áreas Sedimentares - AAAS, processo de avaliação que se constitui na elaboração do EAAS e seu acompanhamento por um grupo interministerial, o Comitê Técnico de Acompanhamento (CTA), que tem como funções principais monitorar e garantir a efetividade da AAAS e assegurar a qualidade do EAAS.

O Estudo Ambiental de Área Sedimentar da Bacia Sedimentar Terrestre do Solimões (EAAS Solimões) avalia os aspectos ambientais e sociais nas áreas que provavelmente possuem petróleo e gás natural no subsolo da região. O Estudo teve como objetivo apoiar a decisão sobre o planejamento de políticas públicas de petróleo e gás natural e apresentar recomendações para que a exploração desses recursos seja feita da melhor forma possível do ponto de vista ambiental e social.

Portanto, a omissão com relação a essa Avaliação Ambiental de áreas sedimentares é motivo para provocar a suspensão do citado e noticiado leilão.

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Será uma inconsequência a consecução de operações de extração de petróleo naquela região, que envolve graves e poderosos interesses.

A ANP desconsiderou recomendações da ICMBio, como afirmou a Coluna do Estadão, Mar sem Fim, em 11 de março de 2021, quando alertou:

"De acordo com o site do WWF 'nesta segunda feira (8), o ICMBio emitiu uma análise das espécies ameaçadas de extinção nas áreas da 17ª Rodada. A lista é extensa. São cerca de cem espécies entre aves, répteis, invertebrados, mamíferos e peixes. Todas sob risco'.

'Em apenas uma das áreas, a atuação das petroleiras pode colocar risco à sobrevivência de pelo menos 60 espécies ameaçadas que constam de planos de ação nacionais para a conservação, a exemplo de tubarões e raias, albatrozes, tartarugas marinhas e corais'.

Espécies serão condenadas à extinção. Isso é um crime ambiental.

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IV - UMA AGRESSÃO AO ARTIGO 225, § 1º, DA CF

A gravidade da situação chama a atenção da sociedade.

Há uma obrigatoriedade do controle do risco para a vida, a qualidade da vida e o meio ambiente.

Como nos ensinou Paulo Affonso Leme Machado(Direito Ambiental Brasileiro, 12ª edição, pág. 65) o risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente não é matéria que possa ser relegada pelo Poder Público. Observo, outrossim, o que estipula o artigo 225, § 1º da Constituição, onde se preceitua que para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público, controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

O Poder Público não pode se omitir no exame das técnicas e métodos utilizados nas atividades humanas que ensejem o risco para a saúde humana e o meio ambiente.

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Afinal, controlar o risco não e aceitar qualquer risco. Há riscos inaceitáveis, como nos disse Paulo Affonso Leme Machado(obra citada, pág. 66), que colocam em risco processos ecológicos essenciais, o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a diversidade e a integridade do patrimônio biológico.

Pela iniciativa governamental estão agredidos os princípios da prevenção e da precaução, exigindo-se a inversão do ônus da prova em processos em que se discuta esse importante interesse difuso e ainda sem esquecer da aplicação da responsabilidade objetiva.

É caso de ajuizamento de ação civil pública visando a suspender o procedimento que revela todo um processo de "destruição ambiental".

Enfim, a 17ª Rodada não segue as melhores práticas, ao ofertar áreas sem Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS) prévia.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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