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Um sonho de liberdade

Por Daniel Bijos Faidiga
Atualização:

Daniel Bijos Faidiga. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A definição, ainda na campanha presidencial, de que a gestão do Ministério da Economia ficaria a cargo de Paulo Guedes indicou ao mercado um viés de liberalismo econômico nos anos que viriam e o primeiro grande sinal dessa forma de atuação do novo governo certamente veio com a chamada MP da Liberdade Econômica, posteriormente convertida em Lei da Liberdade Econômica, com poucas mutilações.

A perspectiva de liberdade, inclusive, foi uma das bandeiras fundamentais do programa político, que certamente angariou uma parte dos votos; seja derivada de uma excessiva regulamentação ou simples insatisfação com a situação econômica e empresarial, incerta quanto à causa.

Ouça o advogado Daniel Bijos Faidiga:

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Em termos amplos, a implementação desta promessa se deu com uma legislação de extrema vanguarda. Já na leitura da Medida Provisória percebeu-se uma intenção forte de desburocratização e desregulamentação da intervenção do poder público na atividade econômica particular.

A ideia é a de que, na dupla face da relação econômica, a liberdade seja sempre preponderante em relação à regulação. A restrição a direitos sendo a exceção, ela deve ser justificada, fundamentada, avaliada e, se desnecessária, evitada.

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Sem dúvidas esta é uma redação com termos muito amplos e abstratos, mas nem por isso, pouco instrutivos. Basta ver que a "boa-fé" do particular e sua "vulnerabilidade" perante o poder público se tornaram princípios declarados. Em outras palavras, boa-fé é um conceito abstrato, mas não é difícil notar, na prática, quando a administração está invertendo este preceito e obrigando o cidadão a provar sua inocência.

No entanto, como praticamente só acontece no Brasil, é sempre necessário verificar se a lei será ou não aplicada. Por aqui, são comuns leis que "não pegam" e isso é ainda mais propício de ocorrer com legislações com conceitos tão abstratos quanto liberdade (ou boa-fé e vulnerabilidade) e com aspectos tão relevantes quando a redução de poderes da administração pública.

Algumas notícias iniciais davam conta de se tratar de mais uma lei que teria pouco impacto real, a despeito de todo o seu potencial. Citem-se desde manifestações de entidades sindicais em relação a algumas previsões da lei, até decisões judiciais condenando startups a partir de regulamentos e obrigações que sequer existem, dentre as quais a mais significativa talvez tenha sido o reconhecimento de obrigações trabalhistas para entregadores de aplicativos.

O que mais reforça esta primeira impressão, porém e infelizmente, foi a regulamentação promovida pelo próprio governo. O recente decreto 10.178 que deveria disciplinar o que são atividades de baixo risco e os prazos para aprovações tácitas de órgãos públicos (aquelas que ocorrerão quando a administração deixar de analisar determinadas situações em tempo razoável), em verdade, demonstra que nem mesmo o nível intermediário da hierarquia do Poder Executivo se adaptou à ideia de liberdade econômica.

O intervencionismo preponderante desde o autoritarismo da ditadura mostrou-se arraigado nas instituições, na medida em que a redação do regulamento é oposta à própria lei, com burocracias que sequer fazem sentido.

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E isto se observa, por exemplo, no fato de que o decreto que deveria dizer quais são as atividades de baixo risco, não o faz. Ao contrário, determina que isso seja feito por autoridades que não discrimina quais sejam. E, pior, afirma que o rol deverá ser exaustivo, ou seja, uma lista com uma classificação absoluta de toda e qualquer atividade econômica existente ou imaginável.

Praticamente, é uma súplica para que nenhuma regulamentação seja feita.

De outra parte, ao invés de fixar os prazos para aprovação tácita prevista na lei, deixa para mais uma subclassificação. Ou seja, o cidadão deve conhecer a lei, o regulamento e uma infinidade de legislações diversas que, provavelmente, não serão claras.

Do mesmo modo, o regulamento chegou a tentar incluir um prazo máximo de 60 dias para as aprovações, num parágrafo que vem logo antes de outro que diz que o prazo pode ser maior e que pode ser prorrogado. Em outras palavras, não há prazo.

Numa ótica pragmática, a seguir neste ritmo, a legislação parece que vai servir para muita discussão teórica e, quem sabe, para algumas poucas pessoas atentas e conscientes tentarem brigar no balcão dos órgãos públicos.

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Não que a tentativa não deva ser exaltada e não que não seja possível usar as grandes diretrizes da legislação para buscar e conseguir algum efeito concreto. Mas a liberdade econômica ainda é um sonho.

Vale notar que muito do que a lei efetivamente trouxe de concreto, vem de itens que não são efetivamente ligados à liberdade econômica. Itens positivos, sem dúvidas. Sejam eles pontuais, como a Carteira de Trabalho eletrônica, ou genéricos, como o tão celebrado "Negócio Jurídico Processual".

Este último caso é emblemático. Permitir que o fisco customize soluções processuais sempre foi um reclamo dos contribuintes. Mas este não é um símbolo da liberdade.

Mais marcante seria a lista de atividades de baixo risco ou a definição concreta de prazos para a administração licenciar atividades. E esta é a crítica ao regulamento.

Desta observação e neste contexto, o importante é notar que as mudanças no aspecto de liberdade não são tão grandes quanto prometidas, nem tão extensivas quanto poderiam ser. Como era de se imaginar, a implementação de um liberalismo (ou que fosse o já démodé neoliberalismo) tão propagada não se fará apenas com uma canetada isolada, ainda que tenha sido um ótimo primeiro passo.

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Mudanças econômicas são mudanças de mentalidade e, ao julgar pelo regulamento, é uma mentalidade que não foi absorvida sequer pelos órgãos intermediários do poder executivo. É necessário que o ímpeto regulatório e intervencionista deixe de ser a muleta que sempre pautou o empreendedorismo e a fiscalização nacionais.

*Daniel Bijos Faidiga, especialista em Direito Empresarial e sócio da LBZ Advocacia

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