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Um 'sandbox' para a reforma tributária

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Por Cristiano Carvalho e Lucilene Prado
Atualização:
Cristiano Carvalho e Lucilene Prado. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O século 20 terminou com um certo estado de pânico em razão do chamado "bug do milênio", quando muitos cientistas da computação temiam por um colapso nos sistemas informacionais.

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Esse temor pode ter se originado nas inúmeras incertezas quanto a capacidade e segurança de processamento de dados diante de uma simples alteração de datas, o que levou instituições do mundo todo a investirem em milionários planos de contingência. Sabemos que nada aconteceu e o século 21 começou com seus inúmeros desafios e aqui estamos todos diariamente buscando inovações.

Inovações ocorrem em velocidade jamais experimentada e na área da tecnologia da informação, especialmente no desenvolvimento de novos softwares e aplicações, surge o "sandbox", uma solução de otimização que tem acelerado com mais segurança os ciclos de criação e desenvolvimento.

O termo "sandbox" significa um ambiente virtual, isolado, seguro para testar uma aplicação nova, sem que ela possa afetar outras aplicações, todos sistemas ou plataformas, permitindo que inovações ocorram de forma mais rápida, segura e com menores custos de transação.

Para o direito o século 21 não chegou de forma diferente ou menos exigente no que diz respeito a efetividade e eficiência da regulação.

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Aplicando metaforicamente o termo, o Direito vem empregando o método como forma de teste controlado às inovações que as empresas venham a ofertar, fora do marco regulatório preexistente, ou mesmo testando novas regulações que se adequem melhor àquelas inovações no mercado. Algo bastante apropriado e cada vez mais comum no contexto de novas tecnologias. O próprio termo original, criado pelos cientistas da computação, já é uma metáfora, remetendo ao significado literal de espaço (caixa de areia) em que as crianças brincam, em um parque ou mesmo no jardim de suas casas, de forma controlada, monitorada e segura.Uma forma de experimentar coisas novas com risco controlado, menor custo e tempo.

A reforma tributária é a que mais tem condições de ser testada em ambiente inovador, seguro, com baixo risco e custo antes de ser colocada em discussão e aprovada. Basta que as administrações fazendárias valorizem as informações coletadas e sistematizadas de forma muito eficiente pelo Serpro nos últimos vinte anos. Preocupa-nos, todavia, que os atuais projetos de reforma, tanto a PEC 45 da Câmara, quanto a PEC 110 do Senado Federal, que tramitam em comissão conjunta, bem como a recente proposta apresentada pelo governo Federal, não foram testadas, não passaram por modelos de simulação e sensibilidade de cenários e, tampouco, por um teste regulatório de avaliação de efeitos práticos em setores específicos do mercado, como seria o caso do sandbox. O IBS (Imposto sobre Bens e Serviços, nome dado ao IVA tropicalizado), portanto, nunca foi simulado ou testado pelo método do sandbox.

As propostas em tramitação objetivam racionalização e alteram drasticamente o sistema tributário, com eliminação de tributos como PIS e COFINS, ICMS, IPI e ISS, além de outras contribuições sociais, e cogita-se até mesmo a instituição de um imposto sobre pagamentos, semelhante em alguns aspectos à antiga CPMF, de modo a compensar a perda de arrecadação com uma suposta desoneração tributária sobre a folha de pagamentos.

É indiscutível a urgência e os benefícios da racionalização do sistema tributário brasileiro, mas não menos questionável é o fato de que as alterações impactam preços, investimentos e modos de produção. Como impactam? Em qual dimensão, positiva ou negativa? Quais externalidades criariam? Alguém testou e mediu os efeitos das propostas, ainda que ambiente controlável e escalável a ponto de assegurar a manutenção da carga tributária atual e evitar aumento de preços ou reduções de margens? Ou estamos apenas diante de modelos teóricos muito bem sucedidos em outras economias? Será viável uma mera importação de modelos estrangeiros para a nossa realidade? Basta adotar velhas soluções de implementação? O IVA, por exemplo, ainda que adotado em mais de cento e cinquenta países, não o é justamente na maior economia do mundo, os Estados Unidos (de estrutura federativa muito mais semelhante a nossa do que a dos países que adotam IVA). Os EUA aplicam o sales taxes, incidente apenas na última operação da cadeia, a venda ao consumidor final, sem a necessidade da sempre complicada (e possivelmente superestimada) não-cumulatividade, quase invariavelmente propensa a falhas - e, portanto, passível de cumulatividades na cadeia. Qual modelo seria melhor? Só testando para saber.

Os teóricos e estudiosos nos trazem grandes e valiosas contribuições para elaboração das propostas, mas aos gestores públicos competem as respostas sobre os impactos, construídas com ferramentas e dados reais das empresas e da arrecadação que permitem simular o ecossistema de um determinado setor.

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Tomando por exemplo o setor de construção civil, pelos dados fornecidos pelas empresas à Receita Federal é possível, por exemplo, simular o impacto da criação da Contribuição sobre Bens e Serviços que substitui o PIS e a COFINS na proposta governo federal nos anos seguintes admitindo-se premissas que mantenham mesmos volumes, fornecedores, clientes, preços líquido, etc e de fato assegurar que não teremos apenas mais um aumento de carga tributária disfarçado de boas intenções de simplificação e do costumeiro descaso com a complexidade do moderno ambiente de negócios pouquíssimo conhecido pelos que arrecadam tributos.

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Em síntese, sem um sandbox para testar o novo sistema tributário, estaremos dando um passo no desconhecido, e de olhos vendados. É possível que o trajeto termine em um terreno firme e seguro, mas há risco de igualmente levar a um precipício. Para evitar este último, basta caminhar o percurso de olhos bem abertos, olhando para o futuro e para as novas tecnologias e não apenas para o passado, que quase sempre nos mantém em zonas de conforto, ainda que seja o conforto apenas de alguns.

*Cristiano Carvalho é advogado do CMT Advogados e livre-docente da USP; Lucilene Prado é advogada do Derraik & Menezes Advogados e professora no Insper

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