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Um para-raios eficiente

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Por José Renato Nalini
Atualização:
José Renato Nalini. FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO Foto: Estadão

Aqueles que "não pensam no futuro" porque não têm condições e atuam ao desamparo do Estado, correm riscos a que os afortunados não se sujeitam. Milhões de brasileiros são despossuídos e não fruem do menu de direitos fundamentais explicitados até com certa abundância pela Constituição Cidadã. Muitos deles morrem quando suas construções precárias enfrentam a resposta que a natureza dá à humanidade que não a respeita.

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Quase cento e quarenta mil imóveis se localizam em áreas de alto e muito alto risco, só na região metropolitana de São Paulo, de acordo com o Mapeamento de Riscos e Movimentos de Massa e Inundações de trinta e oito municípios da Grande São Paulo. Foi uma publicação do Instituto Geológico de São Paulo, à época em que existia, logo ali em 2020.

O cardápio do perigo é variado: quase dezessete mil correm risco de inundação, cento e quatro mil sujeitos escorregamento e deslizamento de rocha, solo ou aterro, doze mil imóveis em vias de solapamento ou afundamento de margens fluviais, muitos outros com erosão. Somam elevado número de imóveis ameaçados de ocorrências que põem a vida de seus moradores a prêmio. Expressão ambígua, porque, na verdade, o que acontece é que a vida deixa de existir. Substituída pela morte, que poderia ser evitada se houvesse seriedade no trato de tais questões.

A receita oferecida pelos especialistas é a prevenção e conscientização da população. E quem poderia auxiliar bastante nessa tarefa é o Registro de Imóveis. Uma delegação estatal encarregada de formalizar, juridicamente, o direito de propriedade e de outros direitos reais, é a instância adequada para incorporar, junto à matrícula do imóvel, a circunstância de se encontrar numa área de risco.

Para que ele possa vir a se desincumbir disso, é preciso que o Estado - e aqui, num sentido amplo, considerada a Federação brasileira: União, Estado e Município - leve a sério a regularização fundiária. Um reflexo da balbúrdia e do caos existente na realidade física, é a situação registral igualmente caótica.

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Tudo o que poderia ser elaborado em termos formais, como é praxe em nosso país, já foi entregue à sociedade. Normatividade ousada, por isso obrigatoriamente submetida à análise do STF, já que o cumprimento dos deveres estatais conducentes à consecução dos objetivos fundamentais da República é sempre considerado incompatível com a Carta que os estabeleceu. Mas a regularização é uma política multiportas, pois são muitas as possibilidades de tornar adequado à lei aquilo que hoje está fora dela.

Falta é vontade política. O governo deveria pensar na regularização fundiária como tática de salvar vidas e de salvar também a economia tupiniquim. Um imóvel regularizado é suficiente para responder por um financiamento do agora proprietário legítimo, antes ocupante precário, clandestino ou até invasor. Quase sempre, vítima incauta de inescrupulosos empreendedores que não entregam o que vendem.

O protagonista da regularização fundiária é o Registrador de Imóveis. Ele precisa ser prestigiado pelo governo. O paradoxo é que as áreas de irregularidade, quase sempre aquelas de risco, são servidas por um registrador que mal sobrevive. Não há trabalho suficiente para obter renda nessa delegação imobiliária, se não há registros. Obrigar o registrador a fazer gratuitamente o trabalho da regularização é injusto e ineficiente. Pequeno amparo econômico-financeiro deslancharia essa estratégia e o retorno, para o Estado, seria compensador.

De qualquer forma, inserir junto à matrícula a menção ao risco é um auxiliar importante na prevenção e na disseminação de um dado que interessa a todos. Assim como a matrícula deveria mencionar a questão ambiental, pois o maior perigo a que a humanidade está hoje submetida é justamente o aquecimento global, provocado pela insensatez humana, aliada à cupidez e à ganância.

O Registro de Imóveis é um para-raios eficiente para tragédias, além de ser a sólida garantia para a justa fruição de um direito fundamental que está no caput do artigo 5º da Constituição da República, a propriedade. Há muito a ser feito nessa área: habitação, saneamento básico, obras de contenção, educação, respeito ao ambiente. Em todas elas, o registrador de imóveis é um devotado colaborador e um ator indispensável na resolução de graves e sérios problemas brasileiros.

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*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras - 2021-2022

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