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Um novo episódio sobre a impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação não residencial

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Por Natashe Oliveira Carvalho
Atualização:
Natashe Oliveira Carvalho. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Sem muito alarde e, possivelmente, ignorando a enorme repercussão prática das decisões recentes e que vieram na contramão da própria postura que vinha adotando, o STF tem reconhecido a impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação não residencial (comercial).

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Até então o tema estava pacificado desde 2010 com a decisão proferida pelo Plenário da Suprema Corte em recursos repetitivos, tema nº 295 em sede de repercussão geral, bem como pela Súmula 549 do STJ.

Mais recentemente, a drástica mudança aparece em decisões pontuais o que reascende a insegurança, tornando os Tribunais um campo minado com o crescente aumento de precedentes surgindo nesse sentido. Importante ressalva: toda a mudança de entendimento vem ocorrendo sem que nenhuma norma objetiva tivesse sido alterada.

Desta vez, por decisão monocrática proferida no final do ano passado, foi dado provimento ao recurso extraordinário (RE 1298475/SP) interposto por fiador de contrato de locação comercial que discutia a questão e houve determinação para que fosse observada "a jurisprudência deste Tribunal [STF], assentada a impossibilidade da penhora do bem de família"[1].

O confuso é que, paralelamente, inúmeras foram as decisões em que o STF assegurou a manutenção da penhora de único imóvel do fiador, mesmo que o contrato tenha como objeto imóvel com destinação comercial.

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Mas a decisão do dia 09.10.2020 (assim como outras), não apenas flexibiliza os efeitos do entendimento anteriormente fixado pelo seu Plenário (que deu origem ao tema nº 295) ao considerar impenhorável o bem de família do fiador quando a garantia é prestada em contratos de locação comercial, mas vem a reboque destas iniciativas para adotar uma isonomia de posicionamento.

Vale lembrar que a lei não faz distinção entre o crédito do locador de imóvel comercial e residencial, pelo que onde o legislador não distingue, não caberia ao intérprete o fazer. Sobretudo se a distinção vier a prejudicar exatamente o direito que o legislador buscou resguardar.

Sem adentrar na questão do desacerto quanto ao denominado distinguishing apontado na decisão do RE 605.709/SP[2] - precursor da controvérsia - como fundamento para desacoplar o locador residencial do não residencial, a repentina mudança de posicionamento não só abala o mercado imobiliário de locações, mas também a segurança jurídica até então existente - preceito primordial que deveria ser objeto de cuidado da Suprema Corte Brasileira.

A instabilidade coloca o mercado em alerta principalmente porque os contratos vigentes foram construídos e firmados com a justa expectativa da garantia fidejussória e diante da convicção de que seria viável a penhora do único imóvel do fiador.

Ao assim se posicionar, o Supremo Tribunal Federal esvazia por completo o objetivo da garantia e permite ao fiador praticamente se exonerar da obrigação e tornar inócua as milhares de contratações lastreadas neste modelo.

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Certo é que ninguém está obrigado a contratar, tampouco a oferecer-se como fiador em um contrato. A garantia é assumida por livre iniciativa.

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Assim, ao assumir tal ônus, o fiador está ciente das obrigações e de suas consequências - pois a ninguém é permitido alegar desconhecimento da lei - inclusive da possibilidade de responder com todo seu patrimônio, sem exceção, caso o devedor não cumpra com suas obrigações.

Como dito, decisões como esta impactam negativamente a economia e favorecem a inadimplência. Cria-se uma alternativa aos devedores que prestaram ou prestarão fiança em locações comerciais sem ter, em verdade, patrimônio suficiente para suprir a dívida, certos de que o Judiciário lhes dará guarida fornecendo uma proteção não guarnecida pela lei e que contraria a jurisprudência consolidada quando da celebração do contrato.

Levando em consideração que outras modalidades de garantia podem ser muito mais onerosas ao locatário, surgirão novos entraves às locações comerciais. Ademais, é certo que os locadores voltarão a exigir fiador que possua, ao menos, dois imóveis livres e desembaraçados, sob pena de ser ineficaz a garantia.

A expectativa é que o STF reafirme a jurisprudência que ele próprio construiu ao longo de anos, bem como que reflita sobre o impacto econômico e a importância de fortalecer a credibilidade contratual dos negócios no país, mantendo-se a estabilidade, os costumes e alternativas que fomentam o setor, para que os efeitos de uma nova decisão vinculativa sobre a questão sejam realisticamente modulados.

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*Natashe Oliveira Carvalho, associada do NFA Advogados

[1] Decisão Monocrática disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6047941

[2] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3793360

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