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Um julgamento e um chamado: escute esse Conselho

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Por Thaís Dantas
Atualização:
Thaís Dantas. FOTO: LAURA LEAL/ALANA/DIV. Foto: Estadão

A demanda por participação popular é pungente. Seja de dentro de suas casas nas redes sociais, ou nas ruas, cidadãs e cidadãos querem que suas vozes sejam escutadas. É nesse cenário que o Supremo Tribunal Federal tem nova oportunidade, agora liderado pelo ministro Luiz Fux, relator do Mandado de Segurança 36684, de reafirmar a centralidade do controle social e da democracia participativa no país.

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Tal mandado de segurança questiona ato do Presidente da República, que, em 2019, emitiu o Decreto nº 10.003, o qual, além de destituir arbitrariamente os mandatos de conselheiros eleitos para o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), violando direitos das organizações impetrantes, alterou profundamente o funcionamento do Conselho e suas características democráticas, estabelecendo reuniões trimestrais por videoconferência em vez de mensais presenciais, processos seletivos no lugar de eleições, e presidência indicada em vez de eleita, com direito a voto extra em caso de empate. Tais alterações são desastrosas - para o Conanda e para a democracia.

Ora, se a composição do Conanda for feita à imagem e semelhança da Presidência, não haverá um Conselho de Direitos, mas sim a reiterada ratificação de ideias e pensamentos, sem a devida e almejada pluralidade da democracia, especialmente relevante em um país com diferentes infâncias e adolescências.

Grave, também, a extinção do mandato de conselheiros eleitos por decreto: não é exagero destacar que a cassação de mandatos de representantes eleitos por decisões monocráticas assemelha-se aos piores dias da ditadura civil-militar, quando mais de 173 deputados federais foram cassados, entre 1964 e 1977. Silenciar perante a esse autoritário ato presidencial é uma flagrante violação ao pacto constitucional e democrático, cujas consequências nefastas deveriam já ter sido aprendidas pela dolorosa história que a ditadura brasileira impôs ao país.

Em mais de uma ocasião, a Suprema Corte brasileira decidiu sobre a importância da participação social e os limites a abusos de poder presidenciais. Com cada vez mais frequência, afirma-se "não há democracia sem respeito às instituições". O Conanda é, sem dúvidas, uma dessas instituições democráticas que precisa ser respeitada.

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Não por acaso, no julgamento da cautelar da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 622, também relativa ao mesmo decreto presidencial, o ministro relator, Luís Roberto Barroso,  restabeleceu o mandato dos antigos conselheiros até o seu termo final, a eleição dos representantes das entidades da sociedade civil em assembléia específica, a realização de reuniões mensais pelo órgão com custeio do deslocamento dos conselheiros, e eleição do Presidente do Conanda por seus pares, tudo na forma prevista no Regimento Interno do Conselho. Na ocasião, o ministro alertou: "[...]As maiores ameaças à democracia e ao constitucionalismo são resultado de alterações normativas pontuais, aparentemente válidas do ponto de vista formal, que, (...), em seu conjunto, expressam a adoção de medidas que vão progressivamente corroendo a tutela de direitos e o regime democrático".

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente é fruto da nossa recente democracia. Implementado em 1991, em quase 30 anos de atuação, o Conanda tem seguido firme em sua missão de garantir que os direitos de crianças e adolescentes, em qualquer contexto, sejam observados e respeitados. No desafiador cenário pandêmico, o Conanda emitiu Recomendações para a proteção integral a crianças e adolescentes durante a pandemia do Covid-19, além de, em sua história, ter sido responsável pela construção de planos e políticas setoriais voltadas à erradicação do trabalho infantil, da violência sexual e à promoção da convivência familiar, do sistema socioeducativo e da primeira infância, por exemplo.

Enfraquecer o Conanda é enfraquecer a proteção a crianças e adolescentes brasileiros, já tão vulnerabilizadas no país e que tantas vezes têm suas vidas atravessadas - e interrompidas - por desigualdades estruturais de raça, gênero e classe. O Conanda, infelizmente, não tem o condão de servir de escudo e evitar que vidas sejam ceifadas. Mas tem, sim, o importante papel de assegurar, em um debate entre sociedade civil e governo, a construção de políticas, orçamento e serviços públicos capazes de transformar a situação da infância e adolescência brasileiras e garantir direitos sem discriminações.

Assim, o julgamento do Mandado de Segurança 36684 pode - e deve - ser encarado como um chamado: escute esse Conselho. Escute a população, escute a diversidade, escute as instituições. É também um lembrete da imensa mobilização popular que trouxe à luz o artigo 227 da Constituição e a garantia de proteção absolutamente prioritária dos direitos de crianças e adolescentes. São deveres constitucionais. São chamados urgentes e imperativos em nosso país.

*Thaís Dantas é advogada do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana, e conselheira do Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)

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