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Um governo liberal, pero no mucho

Cem primeiros dias do governo Jair Bolsonaro evidenciam um comportamento conservador apenas no que se refere aos costumes enquanto seu proclamado liberalismo ainda está engatinhando

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Por Roberto Dumas
Atualização:

Roberto Dumas. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Na comemoração da lua de mel de 100 dias (não sei que boda é essa!), por essas osmoses inexplicáveis - talvez vindas da cadeira presidencial - ou por razões até espirituais, o governo Jair Bolsonaro, com pompa e circunstância, "Dilmou".

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A estratégia de não repassar a alta dos combustíveis - em especial do diesel, como vimos recentemente - para os caminhoneiros não é novidade. A prática, aliás, foi useira e vezeira de governos petistas a pretexto de, em tese, não prejudicar a população mais pobre ou - como já citamos - os trabalhadores de determinada categoria.

Eis que em 2019, temos 100 dias de um novo governo - que infelizmente se confunde com velhas práticas. Não repassar o aumento do preço do diesel para ajudar uma classe trabalhadora? Quem iria contra? Acho a comemoração muito simpática. Mas lá vou eu ou os acionistas minoritários da Petrobras ter de pagar a conta. Já deu pra entender o porquê da necessidade da privatização da Petrobras ou ainda seria contra a estratégia do País, como afirmam os que tiraram "E" em economia básica sem mestre, ou praticam o "sereísmo" em momentos de relaxamento pensante?

Óbvio que o presidente quer ganhar louros políticos com os caminhoneiros que vinham ameaçando com uma nova greve, o que seriamente poderia prejudicar a aceitação da reforma da previdência.

Entendi o movimento no tabuleiro de xadrez. Agrade os caminhoneiros para eles não entrarem novamente em greve por conta do aumento do diesel, apesar de o problema deles não ser esse, mas excesso de caminhões. E por que o excesso de caminhões? É que graças aos generosos repasses do BNDES, de 2009 a 2017, a frota aumentou 40%, enquanto o PIB subiu apenas 9% no período. Ou seja, sobram caminhões para trabalhar! "Mas dá para aguentar o repasse para mais alguns dias ou semanas". Isso!!!! Manda pra mim que esses subsídios eu mato no peito e pago!

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Ainda assim, infelizmente, com o seu pacote de bondades aos "homens da estrada" parece que o governo tenta consertar um desarranjo enorme que é o excesso de caminhões e fretes com crédito de R$ 30 milhões do BNDES para caminhoneiro autônomo, outros R$ 2 bilhões em recursos para manutenção das estradas, mudanças nas concessões de estradas incluindo locais de repouso para os motoristas. Mas não é esse o problema. O problema continua sendo o excesso de caminhões. Sinto que os caminhoneiros, ao receberem esse pacote de bondades, devem ter se sentido como crianças que recebem meias no Natal ao invés de brinquedos. Uma sensação do tipo, "obrigado, mas não foi isso que eu pedi".

Intervenções como essa jogam mais lenha na fogueira de quem festeja as trapalhadas governistas - não sem razão. O ministro da Economia Paulo Guedes - em voo solitário há poucas semanas - mostrou entre gritos e escândalo da oposição - que a reforma da previdência é um assunto vital e que merece uma intervenção imediata sob pena de quebrar o País. Não é pouca coisa.

Agora, novamente, Guedes parece numa cruzada solitária não apenas com a reforma da Previdência, mas com a postura intervencionista e populista que o presidente Jair Bolsonaro assume ao bater pé e impedir numa canetada o aumento do diesel.

Tais acenos não são animadores e sinalizam que Bolsonaro não cederá a qualquer apelo, mesmo que ele parta de um fiador de peso como Paulo Guedes. Na conta do governo uma nova greve de caminhoneiros fragilizaria o ainda existente apoio e ativo político que tende a perder valor conforme o tempo passa, em um momento crucial como da tramitação da reforma da previdência. Vão-se os dedos caros do intervencionismo na estatal, quiçá momentâneo, ficam os anéis, inestimáveis da aprovação da reforma.

Em resumo, o que se pergunta nesses 100 dias é: cadê aquele governo liberal que prega - ou pregava - "nacionalismo e liberalismo"? Obviamente que desde o começo essa afirmação já era contraditória, mas agora se percebe aonde o governo tenta ser conservador e grita muito, como nos costumes, e onde tenta ser liberal em economia, mas demonstra grande desconforto.

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*Roberto Dumas é Mestre em Economia pela Universidade de Birmingham na Inglaterra, Mestre em Economia Chinesa pela Universidade de Fudan (China), graduado e pós-graduado em administração e economia de empresas pela FGV e Chartered Financial Analyst conferido pelo CFA Institute (USA). Atuou no banco dos Brics em Shanghai (New Development Bank) nas áreas de operações estruturadas e risco de crédito

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