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Um FNDE para os reais desafios da educação básica

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Por Israel Batista , Marcelo Castro e Kim Kataguiri
Atualização:
Israel Batista, Marcelo Castro e Kim Kataguiri. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nos últimos meses, acompanhamos uma série de denúncias de favorecimento de prefeitos ligados ao ex-ministro da Educação Milton Ribeiro no repasse de recursos da educação. Tais irregularidades possuem em sua natureza um denominador comum: desvio de finalidade pública na transferência de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

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É uma lástima que a tradição institucional de mais de 50 anos na assistência técnica e financeira à educação básica do FNDE esteja com a credibilidade abalada e seja o principal pivô do pedido de abertura da CPI do Ministério da Educação (MEC), que pode ser instalada nos próximos dias.

O FNDE é uma autarquia federal criada pela Lei nº 5.537/1968 e tem como principal atribuição a execução das políticas educacionais do MEC. O mérito de sua criação foi instituir um órgão com capacidade auxiliar o MEC na implementação das políticas educacionais. Assim, o Ministério teria o papel de formular políticas para educação básica, enquanto o FNDE seria seu braço direito na execução financeira e descentralização no repasse dos recursos.

A função de executar esses recursos não é trivial: o orçamento total do FNDE em 2022 gira em torno de R$47 bilhões, sendo que os recursos da educação básica que são transferidos a estados e municípios representam parcela significativa deste total. São R$34,5 bilhões em transferências obrigatórias, R$4 bilhões relacionados à alimentação escolar e R$7,8 bilhões relacionados às transferências discricionárias e emendas parlamentares para a educação básica. Essas transferências, que somam uma quantia relevante do total de recursos da educação básica no país, são muito importantes para a educação brasileira, especialmente para o direcionamento das políticas educacionais e para a redução das desigualdades.

É por meio dessas transferências que garantimos que nossas escolas públicas recebam recursos do Fundeb e tenham apoio federal nos programas de transporte escolar (PNATE), de alimentação escolar (PNAE), de melhoria da infraestrutura física e pedagógica das escolas (PDDE) e da assistência no desenvolvimento amplo das políticas educacionais dos estados e municípios (PAR).

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Gerir tal orçamento e repassá-lo a estados e municípios de forma responsável e transparente tornou-se uma exigência irrevogável do FNDE. Contudo, isso corre o risco de ser fortemente ultrajado se não forem repensadas as diretrizes de governança do órgão. Infelizmente, os questionamentos no tocante à credibilidade do órgão têm crescido consistentemente, colocando em cheque seu próprio papel institucional.

Quando decisões ruins de favorecimento são tomadas no âmbito do FNDE, alguns municípios podem até se beneficiar, mas todos os demais são atingidos com perdas financeiras e programáticas consideráveis, especialmente nas ações discricionárias, como o apoio à melhoria da infraestrutura física e pedagógica das escolas. Assim, o acesso a boas condições de estudo fica prejudicado, comprometendo ao ente público prestar uma à educação de qualidade, especialmente àqueles que mais precisam.

O impacto das denúncias recentes descredibiliza políticas que tanto contribuíram para a melhoria da oferta da educação básica pública dos estados e municípios. Por isso, para além da discussão mais ampla da governança do FNDE e do sempre necessário aprimoramento dos programas que gerencia, é fundamental atentar-se para a qualidade de gestão e liderança.

Boas práticas de governança em órgãos que lidam com políticas públicas estruturantes avançaram nas últimas décadas, modernizando seu funcionamento. A título de exemplo, importantes alterações de aprimoramento foram alcançadas com as leis das Estatais, das Agências Reguladoras, da Anatel e do Cade. Tais práticas também podem ser pensadas para o FNDE.

Atualmente, a presidência do órgão é escolhida pelo presidente da República, que também nomeia os seus principais diretores do órgão, sem muitos pré-requisitos. Dessa forma, critérios técnicos podem ser considerados ou não, ficando o órgão à mercê de possíveis decisões ruins com algum viés de favorecimento pessoal.

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É por isso que a Frente Parlamentar Mista da Educação em conjunto com as Comissões de Educação da Câmara dos Deputados e do Senado Federal estão discutindo iniciativas legislativas para aprimorar, de forma republicana, o trabalho do FNDE e o formato de escolha de sua liderança.

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O PL 1250/2022, inspirado nas melhores práticas de governança que temos em consagrados órgãos que lidam com políticas públicas, busca fazer alterações na governança do FNDE em cinco eixos: (i) perfil técnico para a Diretoria ou Presidência; (ii) decisões colegiadas para assuntos específicos; (iii) realização de sabatina e aprovação pelo Senado Federal; (iv) especificidades na duração de mandatos, possibilidade de recondução e nos casos de morte, renúncia ou perda de mandato; e (v) realização de análise de impacto para compras públicas. É esse tipo de direção que devemos tomar no debate, com muita serenidade e diálogo.

Com a adoção de tais práticas, esperamos assegurar que o FNDE de fato seja o instrumento de desenvolvimento e gestão da educação básica frente ao que os desafios nacionais exigem. As decisões tomadas no âmbito do órgão devem ser exclusivamente para que a assistência financeira esteja alinhada às premissas das políticas educacionais geridas pelo MEC e às reais necessidades dos estados e municípios. Nosso Congresso precisa demonstrar seu compromisso com o País, salvaguardando o papel supletivo e de complementação aos entes subnacionais.

Precisamos tratar o recurso da educação com a seriedade que ele merece.

*Israel Batista, deputado e presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação

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*Marcelo Castro, senador e presidente da Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal

*Kim Kataguiri, deputado e presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados

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