PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Um episódio real

Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
FOTO: KEVIN MOHATT/REUTERS Foto: Estadão

Segundo o Estadão, a investigação policial sobre o tiro fatal com uma arma cenográfica utilizada por Alec Baldwin durante uma filmagem se concentra no especialista responsável pelo armamento e no diretor assistente que entregou a pistola ao ator americano.

PUBLICIDADE

A diretora de fotografia de origem ucraniana Halyna Hutchins, de 42 anos, recebeu um tiro no peito e morreu pouco depois do incidente ocorrido, no dia 21 de outubro deste ano, no estado americano do Novo México, enquanto o diretor do filme Rust, Joel Souza, de 48 anos, que estava atrás dela, ficou ferido, foi hospitalizado e já recebeu alta.

A polícia interrogou Baldwin, que cooperou voluntariamente, mas não apresentou acusações contra o ator, como ainda revelou o Estadão, em 23 de outubro do corrente ano.

A arma que foi usada, deveria estar descarregada, mas estava com munição de verdade, de acordo com um documento judicial apresentado pelo gabinete do xerife para obter um mandado de busca, informou a imprensa local.

O documento afirma que o diretor assistente Dave Halls, identificado como o homem que entregou a arma a Baldwin, gritou "arma fria" no momento. Este é o termo usado na indústria para indicar que a arma tinha apenas bala de festim.

Publicidade

De acordo com fontes ouvidas pelo portal americano "Deadline", outra falha semelhante com uma arma cenográfica havia ocorrido no set, dias antes do acidente fatal. "Houve dois disparos acidentais com uma arma numa cabine fechada. Foram dois estouros altos. Uma pessoa estava só segurando (o revólver) nas mãos, e ele disparou", contou uma pessoa da equipe.

Por outro lado, o portal de notícias do jornal o Globo divulgou que segundo uma mensagem compartilhada pela brasileira Amanda Petrone, que foi assistente de fotografia de Hutchins no longa "Archenemy", parte da equipe de filmagem já havia pedido demissão do projeto por falta de segurança no set, incluindo "pouca segurança com armas", entre outras questões.

Sem dúvida caberá às autoridades do estado americano onde ocorreu o fato investigar esse triste caso, segundo suas leis dentro de um federalismo que lhe é próprio.

Em 18 de março de 2009, o ex-governador do Novo México Bill Richardson assinou a legislação para revogar a aplicação da pena capital em seu estado, dizendo que sua "consciência o obrigou a substituir a pena de morte" por uma pena de prisão perpétua sem possibilidade de liberdade condicional.

No Brasil, a Lei 7.209/84, que mudou a parte geral do Código Penal de 1940, nos dá alguma visão do que se poderia entender sobre a melhor aplicação da lei penal.

Publicidade

Teria havido erro do tipo por parte do acusado?

Há erro do tipo se o agente sem ter noção ou saber o que faz pratica conduta ilícita. Aqui se exclui o dolo, elemento do tipo.

No erro do tipo(artigo 20 do CP), o agente se engana sobre um elemento do tipo. O indivíduo pega a mala alheia idêntica a sua, entendendo que lhe pertence. O agente dá um tiro numa pessoa, mas entende que está dando tiro num manequim de loja, semelhante a uma pessoa.

Diverso é o erro de proibição onde o indivíduo se engana sobre a consciência da antijuridicidade da conduta, ignorando que o fato seria contrário ao direito.

Se o erro for inevitável, haveria isenção da pena. Ser for evitável, haverá diminuição da pena(de um sexto a um terço, artigo 21, segunda parte do Código Penal). Sendo evitável, poderia o agente ter a consciência da ilicitude do fato.

Publicidade

O dolo deve abranger a consciência e a vontade a respeito dos elementos objetivos do tipo. Assim, estará ele excluído se o autor desconhece ou se engana a respeito de um dos componentes da descrição legal do crime(conduta, pessoa, coisa etc), seja ele descritivo ou normativo.

Um erro que recai sobre o elemento normativo do tipo também é erro do tipo excludente do dolo.

Ora o erro é uma falsa representação da realidade e a ele se equipara a ignorância, que é o total desconhecimento a respeito dessa realidade. No caso de erro do tipo, desaparece a finalidade típica ou seja, não há no agente a vontade de realizar o tipo objetivo. Como o dolo é querer a realização do tipo objetivo, quando o agente não sabe que está realizando um tipo objetivo, porque se enganou a respeito de um dos seus elementos, não age dolosamente; há erro do tipo.

Há o erro essencial que recai sobre um elemento do tipo, ou seja, sobre fato constitutivo do crime, e sem o qual o crime não existiria. O erro acidental recai sobre circunstâncias acessórias da pessoa ou da coisa estranhas ao tipo, que não constituem elementos do tipo. Sem ele o crime não deixa de existir, como disse Francisco de Assis Toledo(O erro no direito penal, 1977, pág. 630).

Como expôs ainda Francisco de Assis Toledo(Princípios básicos de direito penal, 4ª edição, pág. 269), erro acidental é o que recai sobre circunstâncias acessórias ou estranhas ao tipo, sem os quais o crime não deixa de existir. Por exemplo: alguém, supondo matar Tício, mata Caio, por engano. É uma hipótese de erro acidental, pois para o tipo do homicídio basta matar um ser humano, sendo irrelevante ser a vítima Caio e não Tício.

Publicidade

Resumindo, tem-se: o erro do tipo exclui o dolo, o erro de proibição afasta a compreensão da antijuridicidade. No erro do tipo, o agente não sabe o que faz; o erro de proibição ocorre quando "sabe o que faz", mas acredita que não é contrário à ordem jurídica. O erro do tipo elimina a tipicidade dolosa; o erro de proibição pode eliminar a culpabilidade, como bem acentuou, à luz do pensamento de Eugenio Raúl Zafffaroni, Fabbrini Mirabete(Manual de direito penal, volume I, 7ª edição, pág. 163).

Certamente a defesa do ator americano irá se apegar a tese de que ele não sabia que a arma estava carregada, não sabia que poderia estar a cometer um homicídio. Se agiu por imprudência, restará o enquadramento na forma de homicídio culposo. Teria sido um acidente? Só a justiça local dirá.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.