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Um ano de covid e o planejamento sucessório

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Por Márcia Setti
Atualização:
Márcia Setti. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Praticamente um ano transcorreu desde que tivemos notícia da pandemia, mas o coronavírus não promoveu uma corrida ao Planejamento Sucessório propriamente dita. O tempo em casa colocou uma trégua no desculpismo e no adiamento do enfrentamento do tema, porém o medo da morte falou menos alto do que a resistência de pagar imposto.

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Primeiro veio o choque geral, aliviado pela crença de que seriam dois ou três meses de "reclusão". Daí vimos que a realidade era bem mais complicada, com reflexos congelantes nas nossas relações e aterrorizantes na nossa economia.

Colecionamos tristezas diante das mortes que levaram a vida de mais de 200 mil brasileiros, entramos em contato com a duríssima realidade do nosso povo sofrido, e tivemos de ir nos adaptando a esse novo modelo de vida. O home office, a economia de tempo no trânsito do trajeto casa-trabalho, o conformismo com o inexorável isolamento social e o próprio enclausuramento teve o lado bom de nos obrigar a passar em revista assuntos que estavam "empilhados" até então, naquele cantinho quase esquecido. Um desses temas de que se faz de tudo para fugir é o Planejamento Sucessório.

Para nós que trabalhamos focados nele, 2020 foi um ano bastante movimentado, mas de fato não houve um desespero pairando sobre as cabeças, eivado pelo medo da incapacidade e da morte trazidos pelo fantasma do Covid 19. Para alguns sim, certamente, mas a procura de nosso escritório se deveu à ausência de argumentos para adiar o Planejamento Sucessório, às possibilidades de reuniões virtuais, ao tempo maior para digerir o assunto e à agenda mais flexível de todos para os encontros com vistas a tecer tratos. E, majoritariamente, se deveu ao receio de o imposto sobre doação e herança (ITCMD) vir a aumentar.

Isso confirma que um dos grandes medos da humanidade é o de ter de pagar altos impostos. As pessoas em geral pensam em doar seu patrimônio aos filhos não pelo medo de morrerem, "simplesmente".

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De cada dez reuniões, a pergunta acerca da cessão de imóveis e participações societárias aos filhos surgia em nove delas. E doar imóvel significa que cada filho terá uma parte do bem e que será necessária a unanimidade dos filhos e, por vezes, dos cônjuges deles para qualquer movimentação de tal patrimônio.

Como solução, em tempos normais sugeriríamos para conferi-lo para uma holding e doar a nua propriedade das participações aos filhos, reservando o usufruto. Mas o que dissemos à grande parte de clientes com essa questão foi bem diferente: "pare tudo e vamos aguardar o que o STF e o Ministro Paulo Guedes têm para nós, brasileiros e brasileiras".

Isso porque a primeira parte da reforma tributária previu a instituição da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços - CBS sobre a receita bruta, em substituição às contribuições ao PIS e à COFINS, o que consistiu num provável primeiro baque na orientação para constituição de holdings.

No meio da pandemia surgiu uma novidade inacreditável que nos fez "desentender" 32 anos de Constituição Federal: o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) incide sobre o valor do imóvel destinado à pessoa jurídica que superar o valor atribuído à integralização de capital social, independentemente da atividade preponderante da pessoa jurídica. Será que isso pode comprometer o Planejamento Sucessório que tanto se utiliza da figura da holding imobiliária em organização de patrimônios, protegendo os imóveis por segregação, gerando eficiência fiscal, e, especialmente, evitando a figura do condomínio do bem, que se falou acima, além da perspectiva da assinatura de um acordo de sócios, com a criação de regras de convivência para valerem inclusive para os herdeiros e sucessores dos signatários? É cedo para responder.

Não bastando, surgiram mais e mais rumores de que a terceira parte da reforma tributária do governo federal deve recepcionar o indesejado retorno da tributação de dividendos.

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Conclusão: na hora em que as pessoas despertaram para organizar seus patrimônios, especialmente aqueles envolvendo imóveis e holdings, tivemos que gritar aos encorajados: "estátua", vamos parar e esperar o que virá. Frustrante.

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Por isso é que, nesse um ano de pandemia, os Planejamentos Sucessórios mais focados em governança foram as grandes vedetes, aconteceram de vento em popa, amparados pelas facilidades da vida virtual. Muitos combinados foram traduzidos em acordos de sócios, com regras para valerem entre signatários, bem como entre seus herdeiros e sucessores. Sistemas de administração foram finalmente regulados, alçadas determinadas, assim como requisitos para ingresso de familiares dispostos. Critérios de avaliação de haveres de sócio retirante foram discutidos, assim como forma de pagamento e percentuais limitadores de desembolsos. Preparação de herdeiros e transferência de controle tornaram-se assuntos frequentes.

Mas nada se verificou que superasse anos anteriores em termos de Planejamento Sucessório.

E quando perguntados sobre doação por aqueles para os quais a tributação é o único mote para doar, escorados no princípio da anterioridade tributária vimos falando, reiteradamente, que há tempo para planejar, estabelecer a governança jurídico-sucessória, criar engenharias capazes de organizar os ativos, protegendo-os e preparando os alicerces da sucessão, regulando deveres, garantindo direitos e delimitando responsabilidades, e ainda aproveitar a alíquota atual do ITCMD, no mínimo até o final de 2021.

Entretanto, planejar é sempre preciso, porque viver é impreciso, com ou sem pandemia.

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*Márcia Setti, sócia de societário do PLKC Advogados

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