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Uber, Economia Compartilhada e os Velhos Padrões Legais

O Judiciário brasileiro constantemente é instado a manifestar-se a respeito de episódios nos quais são discutidas as tecnologias desruptivas. Recentemente, a Justiça do Trabalho em Minas Gerais, por exemplo, reconheceu o vínculo empregatício entre a empresa Uber e um dos motoristas que prestava serviço através do aplicativo. Pouco tempo atrás, a justiça mineira já havia exarado decisão em sentido contrário, sobre o mesmo assunto.

Por Renato Opice Blum
Atualização:

Em que pese o valor jurídico das decisões mencionadas e o esforço do Judiciário em destrinchar temas relevantes, a discrepância das teses acatadas evidencia que o assunto ainda não é interpretado de forma tranquila no mundo jurídico, carecendo de aprofundamento nos debates.

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Como se sabe, empresas como a Uber (Airbnb na esfera imobiliária, e muitas outras startups) nasceram como alternativas a serviços e produtos que, tradicionalmente, eram caros demais e/ou de baixa qualidade. Assim, o protótipo clássico de consumo, pressionado pela Crise Econômica, começou a dar espaço ao moderno formato de negócio com enfoque na fruição (e não na aquisição). Neste contexto de economia compartilhada, a Tecnologia foi desafiada com a difícil missão de garantir a credibilidade (reputação) das partes, avançando na escalabilidade dos negócios.

Para superar o obstáculo da credibilidade, as plataformas digitais emprestaram os conhecidos mecanismos de aferição de reputação, que funcionam há muito tempo na Internet: indicação de notas e qualificações confirmadas pelos usuários (pesquisa de satisfação). Para diminuir ainda mais as incertezas quanto à qualidade, padrões e modelos foram estabelecidos (como, inclusive, acontece sem polêmicas nos negócios de franchising).

Avistando a escalabilidade, além do investimento em estrutura tecnológica, foram criados planos de incentivos para que, como nas redes sociais, o maior número possível de pessoas (dos dois polos da relação) pudesse se encontrar e participar.

Por fim, em tempos de proliferação de fraudes e crimes, como em vários serviços de conveniência oferecidos na Web, diversos aplicativos disponibilizaram também ferramentas para pagamento eletrônico dos serviços, colocando a pitada que faltava nas camadas de segurança. Deste modo, conjugando-se os quesitos apontados, estariam lançados fundamentos imarcescíveis das relações compartilhadas.

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Ou seja: o que fez a Tecnologia? Utilizou o formato de pesquisa de reputação da Internet, associou-a à segurança dos pagamentos eletrônicos intermediados, introduziu a padronização dos serviços (como nas franquias) e, aproximou o maior número possível de interessados, (como nas redes sociais). Sucesso inteligente - sem milagres, nem mistérios.

Ocorre que, justamente estes pontos - pré-existentes às startups em questão e encarados naturalmente quando vistos em separado, são os que têm gerado confusões interpretativas no mundo jurídico.

Desavisadamente, as campanhas para aumentar a participação de motoristas e passageiros estão sendo consideradas como imposição velada de metas e expansão de mercado; a modelagem dos serviços, por sua vez, tida como poder de diretivo; intermediação dos pagamentos/repasse: salário em comissão. E, por fim, as ferramentas de pesquisa de satisfação são classificadas como exercício "abusivo" do poder de fiscalização.

Nota-se, desta feita, que sob a suposta sujeição ao princípio da primazia da realidade, inversões jurídicas fundadas em conceitos destacadamente analisados, podem evanescer a utilização da Tecnologia em processo de economia criativa. Não é admissível que novos negócios, amparados em estratégias eficazes e foco no futuro, percam seu potencial para romper com modelos conservadores e desgastados.

Se o valor que uma sociedade dá a um fato é o que faz nascer o Direito, já é hora de adestrarmos o Direito para um novo olhar teleológico - despido de dogmas que não se enquadram mais nas necessidades atuais.

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Neste sentido, inovações oriundas da capacidade criativa do ser humano, geradas na seara da economia compartilhada, precisam ter espaço para amadurecer, cumprindo sua inafastável função social na busca de evolução e proveitos para todos os envolvidos.

Sob esta nova ótica é que torcemos para que o assunto em questão venha a ser esclarecido e, logo mais, pacificado pela Jurisprudência.

*Renato Opice Blum, Mestre pela Florida Christian University; Advogado e Economista; Coordenador do curso de Direito Digital do INSPER.

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