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'Tudo aquilo que eu vinha dizendo há um ano, sou inocente', diz Altman, absolvido por Moro

Para jornalista que chegou a ser conduzido coercitivamente na Operação Carbono 14, em abril de 2016, força-tarefa da Procuradoria na Lava Jato 'achou que havia encontrado a bala de prata contra o PT, ligando esse caso à morte de Celso Daniel, tese que se mostrou estapafúrdia’

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Por Marcelo Godoy
Atualização:

Breno Altman. Foto: Reprodução

O jornalista Breno Altman faz parte do pequeno grupo de pessoas absolvidas pelo juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, nos processos da Operação Lava Jato. Nesta quinta-feira, 2, Moro absolveu Altman da acusação de lavagem de dinheiro - na mesma sentença, ele impôs condenação de cinco anos de prisão ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e ao empresário Ronan Maria Pinto.

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Proprietário do site Opera Mundi, Altman havia sido alvo de condução coercitiva na Operação Carbono 14, desdobramento 27 da Lava Jato, em 1.º de abril do ano passado, e se tornara réu na mesma ação, na qual o Ministério Público Federal (MPF) apurava a possível ligação entre um empréstimo de R$ 6 milhões feito por Ronan com a morte do então prefeito de Santo André, Celso Daniel (PT), ocorrida em 2002.

A suspeita fora levantada pelo publicitário Marcos Valério - o dinheiro seria um 'cala boca' para Ronan, amigo de um dos acusados do assassinato, o empresário Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, morto em 2016. "Fui vítima de uma irresponsabilidade do Ministério Público Federal."

O processo da Carbono 14, uma referência à morte de Daniel, termina sem prova de que o empréstimo de Ronan tenha ligação com o crime.

Leia, a seguir, entrevista com Breno Altman.

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ESTADÃO: O juiz Sérgio Moro diz que no seu caso, 'por falta suficiente de provas', você devia ser absolvido. Nos autos, Marcos Valério reafirmou que você participou da reunião para o empréstimo fraudulento e o doleiro Alberto Youssef disse que ouviu dizer que você havia intermediado o empréstimo. Ronan disse que encontrou com você por meio de um intermediário de Davi Capistrano, mas, de fato, Capistrano (ex-prefeito petista de Santos) havia morrido três anos antes. Moro chamou esses depoimentos de 'problemáticos'. Durante o processo você sempre foi muito crítico a Moro. O que você acha agora do juiz quando ele decide absolvê-lo?

BRENO ALTMAN: Eu acho que o processo era tão evidentemente artificial que não havia outra possibilidade que a minha absolvição. Não é só que não havia provas de qualquer envolvimento meu. As provas apresentadas eram nitidamente contraditórias e inventadas com base no mecanismo de delação premiada. O Marcos Valério foi absolvido porque de alguma maneira ajudou o Ministério Público. No entanto, o que o Marcos Valério fez foi mentir. Ele conta da existência de uma reunião que jamais ocorreu. Que outros três supostos participantes negam sua existência em um hotel em que eu jamais estive. Está anexado ao processo: não há nenhum registro que eu tenha algum dia na minha vida tenha pisado nesse hotel, que é o atual hotel Pulmann. Outro elemento probatório era do Youssef, que conta que ele teria ouvido do Enivaldo Quadrado (outro réu) a respeito do meu suposto envolvimento nesse eventual crime. O Enivaldo negou isso em juízo. E, terceiro, é o Ronan. O que fez o Ministério Público? E essa é a gravidade desse processo. O Ministério Público, alucinadamente, de forma irresponsável, ao se deparar com esse empréstimo ao Ronan Maria Pinto deduziu que isso tinha vínculo com o assassinato do ex-prefeito Celso Daniel. O MPF achou que tinha achado a bala de prata contra o PT, que envolveria o PT não só em caso de corrupção, mas em caso de assassinato. E foi direto com toda sede ao pote, buscando qualquer tipo de situação que pudesse comprovar essa tese que, finalmente, se mostrou estapafúrdia. Eles nem sequer fizeram a denúncia do crime de extorsão, do que originalmente acusavam o Ronan Maria Pinto, que ele estaria extorquindo PT porque ele conheceria segredos sobre a morte do Celso Daniel. O caso original que foi um auê danado simplesmente desapareceu. Sobrou um caso de enorme fragilidade, que se estivesse agindo em situação normal, o MPF teria de pedra a absolvição de todo mundo. Assim, eu creio que mesmo no ambiente de perseguição política que se vive no Judiciário não havia outra alternativa do que a minha absolvição.

ESTADÃO: O juiz Moro escreve a respeito do empréstimo de R$ 6 milhões que não há nenhuma prova de que ele foi pago por Ronan. Ronan não me parece ser um empresário que administra suas coisas como uma quitanda. Como alguém pode não ter zelo com R$ 6 milhões? Esse dinheiro em algum momento foi resultado de alguma operação ligada ao PT ou caixa 2?

BRENO ALTMAN: Olha, eu não tenho a mínima ideia. Eu posso falar a respeito do que eu fui questionado acerca da minha participação. Eu nunca tive informação alguma sobre isso, salvo em 2012 quando o Marcos Valério em sua primeira tentativa de delação premiada mentirosamente me envolveu nessa história. Eu portanto não tenho nenhum detalhe sobre isso. Como observador e participante desse processo reitero três coisas importantes: primeiro o abuso do Ministério Público, com as conduções coercitivas e com denúncia sem qualquer indício real, como foi o meu caso e de outros réus. Isso é gravíssimo. Isso é uma violação do Estado de direito. O prejuízo de imagem que isso provoca sem que haja qualquer substância no processo é imenso. Eu dirijo um veículo de comunicação, o site Opera Mundi. Todos os contratos de publicidade do Opera Mundi, inclusive os que existiam durante o governo Dilma, todos foram suspensos no dia seguinte à minha condução coercitiva.

ESTADÃO: Quantos eram?

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BRENO ALTMAN: Eram quatro (contratos) públicos e três privados. Todos suspensos. Ficamos rigorosamente sem receita. A partir de uma condução coercitiva desnecessária, pois eu jamais havia sido intimado para depor no inquérito, para depois dar origem a uma denúncia completamente sem substância - ela tem 36 páginas, acerca da minha participação são seis linhas. Elas repetem os depoimentos do Youssef, Ronan e Marcos Valério. E eles levaram meu computador de trabalho, coisa que não devolveram um ano depois, levaram todas as minhas anotações e discos rígidos, novamente provocando prejuízos profissionais e não têm nada acerca da minha participação. Essa irresponsabilidade com que age o Ministério Público, movido pelo ambiente de perseguição política no País, leva ao atropelo da Justiça. Eu me sinto vítima disso, pois desde o início eu disse: eu sou inocente e não há nenhuma prova que me vincule a um crime que eu não participei. E hoje isso se comprova pela declaração simples e linear do juiz Moro, tudo aquilo que eu vinha dizendo há um ano. O prejuízo de imagem e material e morais provocados pela ação irresponsável do Ministério Público, esses danos não serão reparados.

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ESTADÃO: Mas porque Ronan não pagou o empréstimo?

BRENO ALTMAN: Esse é um fato material. Mas o principal problema é o que foi feito com o Delúbio (Soares, réu condenado a cinco anos de prisão por Moro na ação). Não é crime um banco emprestar dinheiro para um partido por interposta pessoa. O País todo funciona assim. As pessoas terceirizam empréstimo quando estão com problemas cadastrais. Não é uma coisa ilegal que esse empréstimo tenha sido terceirizado, como aparentemente o foi por meio do Bumlai (José Carlos Bumlai, fazendeiro amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva). O crime consiste em algo que aconteceu depois, como foi pago o empréstimo em 2009. O fato de ele ter ido ao banco em 2004. Por isso eu acho que há dois sujeitos que foram claramente injustiçados no julgamento: o Delúbio e o Enivaldo Quadrado. Se o Marcos Valério foi absolvido por não ter participação no empréstimo porque Enivaldo foi condenado sem participação nos mesmos trâmites? Considero uma injustiça com os dois.

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