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Trump: 'mas ninguém pode tocar: foi uma merda'

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Por Maristela Basso
Atualização:
Maristela Basso. Foto: Arquivo Pessoal

Informaram os jornais 'The Washington Post' e 'The New York Times' que, em reunião com legisladores nesta quinta-feira (11), o presidente Donald Trump reclamou da imigração, fez críticas à política americana de recepção dos estrangeiros e se referiu a localidades africanas, ao Haiti e a El Salvador como 'países de merda'.

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A declaração foi reproduzida tendo por base o relato de pessoas presentes à reunião e, pasme-se, confirmada pelo Secretário de Imprensa da Casa Branca, Raj Shah, ao afirmar que "alguns políticos escolhem lutar por países estrangeiros; Trump sempre lutará pelo povo americano".

Trump está longe de ser um homem educado e desconhece o significado do imperativo "noblesse oblige". Contudo, desta vez atingiu patamares inimagináveis para um chefe de estado e, ademais, inadmissíveis.

 

Sabe-se que a administração Trump tem enrijecido as políticas de imigração e, recentemente, revogou a permanência de mais de 200 mil salvadorenhos que estavam nos Estados Unidos, com entrada autorizada após a Centro-América ter sido devastada por terremotos, em 2001.

O mesmo foi feito contra os haitianos que estavam no país por razões humanitárias. E não é tudo. O republicado pretende por fim à 'loteria dos vistos', que sorteia 'green cards' para cidadãos de países com baixa representatividade nos EUA, e também restringir a chamada 'cadeia de migração' que permite aos familiares de residentes se juntarem em solo americano.

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Sustenta Trump que são ilegais, que roubam empregos dos americanos e acabam cometendo delitos. Segundo ele, os Estados Unidos deveriam abrir suas portas para outro tipo de gente, por exemplo, os noruegueses: brancos, louros, ricos, saudáveis.

Por outro lado, as entidades de defesa dos imigrantes afirmam que a maioria deles preenche vagas que não são ocupadas pela mão de obra local, e que sua deportação maciça causaria danos à economia do país e prejuízos humanitários à imagem dos americanos.

Como se vê, estamos diante de uma 'comédia de equívocos', tal qual a primeira escrita por Willian Shakespeare, será desprestigiada, como mera farsa, e sua verdadeira complexidade, efeitos, múltiplos sentidos e mensagens serão estudados pelo direito internacional no futuro próximo como o marco temporal no qual os Estados Unidos abriram mão do "smart power", tornado popular nas administrações Clinton e, mais recentemente, na de Obama.

A noção de 'smart power' se popularizou com o cientista político Joseph Samuel Nye Jr, professor da Universidade de Harvard, que, partindo da teoria da interdependência complexa das relações internacionais, cunhou, inicialmente, a expressão 'soft power', isto é, a capacidade que um estado tem de, por meio de sua política, especialmente de seu Presidente, empregar um poder brando e influenciar os outros países para que, juntos, construam uma política mundial que valorize as sutilezas das diferentes culturas, os valores, ideais, comportamentos e necessidades uns dos outros.

Do exercício do 'soft power' os americanos migraram para o que ficou conhecido como "smart power", deixando para atrás o "hard power" (o emprego de recursos militares e econômicos) tão conhecido pelos EUA.

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Depois de Clinton, Obama imprimiu uma política de relações internacionais que foi além do "soft power". Ele marcou sua passagem pela Casa Branca inaugurando uma nova era nas relações internacionais: a da persuasão e da projeção do poder por meio de políticas sociais e legítimas, cujos efeitos extrapolavam o território dos EUA. O valorizado "smart power".

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Frente às últimas declarações de Trump, voltam os Estados Unidos apenas ao velho 'hard power', péssimo exemplo para o mundo. E às organizações internacionais e não governamentais incumbe a tarefa importante e estratégica de cuidar das pessoas - onde quer que estejam. Pelo que tudo indica, ao término do governo Trump, vamos lembrar do poeta Marcus Valerius Martialis (38-104 d.C) quando dizia: 'Sed nemo potuit tangere: merda fuit' ('mas ninguém pode tocar: foi uma merda').

*Maristela Basso, professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito (Largo São Francisco) da USP; sócia do Nelson Wilians & Advogados Associados (responsável pelo núcleo de Direito Internacional)

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