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Trump e o não reconhecimento do resultado das eleições

Por Cláudio Pereira de Souza Neto
Atualização:
Cláudio Pereira de Souza Neto. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A contestação da integridade do sistema eleitoral por Trump, sem provas, é um espetáculo triste de rejeição da conformação institucional do estado democrático de direito.

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No atual contexto de crise da democracia, vivenciado em vários países do mundo, os líderes populistas se aproveitam da crítica à representação política para fomentar movimentos antissistema e erodir as instituições democráticas.

O conflito entre direita e esquerda passa a coexistir e interagir com a polarização entre insiders e outsiders. Em muitos casos, o agravamento da crise resulta na eleição de candidato, que angaria apoio se apresentando como crítico radical do sistema representativo, como foi o caso de Trump e Bolsonaro. A eleição desse tipo de candidato é, em parte, uma forma de o povo se vingar da política e dos políticos.

Uma manifestação comum de rejeição à política é pôr em dúvida a seriedade das instituições. Os novos populistas costumam sustentar que as elites sempre conspiram para impedir que a vontade do povo prevaleça. É o que se verifica quando candidatos denunciam o sistema eleitoral como comprometido com a manutenção do status quo e adiantam que não reconhecerão o resultado das eleições, se vencidos.

Isso foi feito por Trump já na primeira eleição, de 2016. Mesmo depois de eleito pelo colégio eleitoral - é o que importa no sistema norte-americano -, negou-se a admitir a derrota no voto popular, falando em fraude. Agora, Trump volta a fazê-lo, diante dos dados eleitorais que apontam para sua derrota.

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A gravidade da atitude de Trump está em que, se o resultado das eleições não é aceito, é o próprio processo eleitoral e, no limite, o regime democrático que se deslegitima. O não reconhecimento do resultado das urnas desestabiliza um dos pilares básicos da tradição política norte-americana: o princípio democrático perde parte de sua intangibilidade e passa a poder ser desafiado levianamente em cada processo eleitoral. No Brasil, a deslegitimação do sistema eleitoral também foi tentada por Bolsonaro: mesmo tendo vencido as eleições, sustentou que o resultado verdadeiro seria, na verdade, muito mais favorável a ele.

A derrota de Trump é acontecimento de máxima importância para a preservação da democracia. Os atuais processos contínuos de erosão democrática podem alcançar um ponto em que o regime muda de qualidade, convertendo-se em autocracia. A principal oportunidade para se evitar que esse ponto de não retorno seja alcançado tem sido a das primeiras eleições subsequentes à ascensão do líder autoritário, quando as instituições ainda estão em funcionamento, e a oposição oferece resistência efetiva, mantendo chances reais de êxito eleitoral.

O advento da reeleição presidencial pode exibir, até mesmo, dimensão constituinte, o que se verifica quando tem como significado a consolidação de um projeto contrário à filosofia constitucional adotada pela Constituição vigente. É o que poderia se dar nos EUA, se tivesse lugar a reeleição de Trump - a tese era defendida por Bruce Ackerman, professor da Universidade de Yale.

A derrota de Trump preserva a democracia constitucional como regime vigente em um país que, apesar dos danos perpetrados por ele, ainda exerce liderança decisiva em escala global.

*Cláudio Pereira de Souza Neto é advogado e autor do livro Democracia em Crise no Brasil, publicado pela editora Contracorrente

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