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Tributação sobre herança: mudança de regras é medida sensata na pandemia?

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Por Marcela Leal Sammarone
Atualização:
Marcela Leal Sammarone. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A tentativa de readequar o sistema tributário não é um privilégio dos tempos de pandemia. Tivemos a reforma da previdência, a eterna discussão da reforma tributária, e já perdemos as contas das medidas provisórias e projetos de lei editados desde o início da quarentena. A reforma tributária é necessária, mas será que precisamos de um aumento de tributos em um momento de crise? Faz sentido alterar um imposto, cuja incidência se dá justamente na sucessão causa mortis, quando o país está perdendo tantas vidas?

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No final de abril, foi divulgado o Projeto de Lei nº 250/2020 no Estado de São Paulo sugerindo alterações da cobrança do ITCMD (imposto sobre transmissão causa mortis e doação).

A proposta abrange alterações na base de cálculo, progressividade das alíquotas, tributação de planos de previdência, entre outras mudanças. Chamo a atenção para duas mudanças que podem preocupar.

Plano de previdência privada complementar

Os planos de previdência privada complementar são considerados seguros na sua essência e, por essa razão (e por força da legislação civil), estão fora do campo de incidência do ITCMD. O Estado de São Paulo, acertadamente, reconhece que os planos de previdências privada complementar estão excluídos da incidência do ITCMD.

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Nesse contexto, o capital das apólices de seguro e o pecúlio recebido por morte do segurado são transmitidos diretamente ao beneficiário indicado (que muitas vezes é um herdeiro) sem o pagamento do ITCMD.

Entretanto, o PL 250/2020 traz a possibilidade de tributação de tais planos como forma de aumentar a arrecadação, mantendo a isenção do imposto somente aos valores devidos pelo Instituto de Seguro Social e Previdência e pela São Paulo Previdência. Seria legal essa alteração? Outros Estados implementaram essa regra e o judiciário foi acionado validando a natureza do seguro.

Base de cálculo

O projeto também propõe a mudança da base de cálculo na transferência de imóveis. Atualmente, o ITCMD incide sobre o valor venal do imóvel. Em São Paulo, muito se discute sobre o valor venal de referência, em que o Estado exige o imposto calculado sobre uma base de cálculo manifestamente superior ao valor venal do bem para fins de IPTU ou ITR. Caso o projeto de lei seja aprovado, a nova base de cálculo será o valor de mercado dos imóveis rurais e urbanos, valor este a ser divulgado pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz).

A proposta é que a Sefaz celebre convênios, estabeleça parcerias, contrate serviços especializados para auxiliar na nova marcação do valor dos imóveis. A redação do projeto não menciona de que forma a Sefaz firmará essa parceria, tampouco com quais órgãos.

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Essa sugestão de criar um órgão avaliador de valores de mercado é conhecida dos produtores rurais, que utilizam como referência para pagamento do ITR o Valor da Terra Nua (VTN) estabelecido pelos Municípios e órgãos de classe (como CREA e CNA). No âmbito do ITR, a Receita Federal já celebra convênios com tais entidades parao levantamento do valor das terras.

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Apesar da boa intenção da Receita ao adotar tal medida, inúmeros contribuintes são prejudicados. A indicação dos valores informados pelos órgãos conveniados muitas vezes está acima da realidade do produtor rural que, por sua vez, precisa obter laudo técnico feito por perito habilitado para comprovar o valor de suas terras, arcando com elevados custos, além de incorrer em anos e anos de discussão na esfera administrativa ou judicial para definição do valor. Outro alerta vermelho para possíveis discussões no judiciário de um tema já testado e controvertido.

Ainda sobre a alteração da regra de base de cálculo, o PL 250/20 sugere que a base de cálculo no caso de transferência de ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social de sociedades que não sejam objeto de negociação em bolsa de valores ou não tenham suas ações sido negociadas nos últimos 180 dias, passe a ser o "valor do patrimônio líquido", ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos, incluindo-se a atualização dos ativos ao valor de mercado na data do fato gerador.

Essa sugestão de redação altera a regra vigente, que é objeto de discussão controvertida nas esferas administrativa e judicial. Hoje, a base de cálculo naquelas situações deve ser o patrimônio líquido. Mas as autoridades fiscais insistem em desvirtuar a regra para dizer que o patrimônio líquido é outro valor. E a Câmara Superior do TIT (Tribunal de Impostos e Taxas) insiste em legislar quando deveria validar a aplicação correta da norma ou repelir erros de aplicação da norma vigente. Felizmente, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem, acertadamente, validado a aplicação do patrimônio líquido como sendo a base de cálculo correta do ITCMD.

Em época de pandemia devemos manter a sanidade e respeitar temas já discutidos e validados pelo judiciário. Principalmente, porque o ITCMD é um tributo incidente, em muitos casos, na causa mortis e as mudanças propostas, neste momento, podem trazer mais mal estar aos contribuintes paulistas.

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Caso o PL 250 seja aprovado ainda esse ano, sua conversão em lei deverá respeitar os princípios da anterioridade anual e nonagesimal cumulativamente.

*Marcela Leal Sammarone, advogada de Candido Martins Advogados

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