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Tribunal Penal Internacional absolve Jean-Pierre Bemba de crimes de guerra

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Por Paula Baldini Miranda da Cruz e Rafael Braga da Silva
Atualização:
Jean-Pierre Bemba Gombo. Foto: International Criminal Court

O Tribunal Penal Internacional acolheu o recurso contra a sentença unânime que condenou Jean-Pierre Bemba, ex-vice presidente da República Democrática do Congo, em 2016. Bemba havia sido condenado por crimes ocorridos durante o conflito ocorrido entre 2002 e 2003 na República Central Africana entre as forças armadas do então presidente Ange-Félix Patassé contra as forças armadas de François Bozizé, que subiu ao poder após um golpe de estado.

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Na sentença de 2016, o tribunal havia considerado que Bemba, então comandante do Movimento de Liberação do Congo e apoiador de Ange-Félix Patasse, falhou ao deixar de tomar medidas para deter ou punir ataques generalizados e sistemáticos contra a população da República Central Africana, incluindo estupro, assassinatos e pilhagens.

A condenação a 18 anos de prisão (a maior na história do tribunal) havia sido fundamentada na responsabilidade de chefes militares e outros superiores hierárquicos, prevista artigo 28 do Estatuto do tribunal.

O caso envolvendo Bemba é emblemático por vários motivos. Foi o primeiro no tribunal a abordar especificamente crimes sexuais e violência de gênero, tratando o estupro como crime de guerra e crime contra humanidade.

Segundo o que foi apurado, as tropas do Movimento de Libertação do Congo praticaram crimes sexuais contra mulheres, homens e crianças com a finalidade de aterrorizar a população da República Central Africana.

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O caso também foi o primeiro em que uma pessoa foi acusada e condenada em razão da sua posição de chefe militar ou superior hierárquico, o que criaria um precedente favorável à aplicação dessa modalidade de responsabilização em casos futuros.

A Seção de Recursos considerou que a sentença de 2016 continha dois erros graves. O primeiro deles seria a condenação de Bemba por crimes que estavam fora do escopo da acusação.

A sentença de 2016 condenou Bemba com base em uma lista aberta de crimes de estupro, assassinato e pilhagem, mas sem especifica-los. Faltou, por exemplo, esclarecer o número exato de atos considerados criminosos.

A Seção de Recursos discordou dessa forma de responsabilização e entendeu que os crimes imputados a Bemba deveriam ser somente aqueles na na acusação confirmada pela Seção de Julgamento, ou seja, um caso de assassinato, estupro de vinte pessoas e cinco atos de pilhagem.

O segundo erro na condenação de Bemba teria sido com relação à sua responsabilização. A Seção de Recursos avaliou as medidas tomadas por Bemba para prevenir, reprimir ou punir a comissão dos crimes pelos seus subordinados, e concluiu que a decisão de 2016 deixou de levar em consideração importantes relatos de testemunhas.

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Tais testemunhas esclareceram dificuldades logísticas e de comunicação que limitavam a capacidade de Bemba de evitar ou parar os crimes que estavam sendo praticados por suas tropas.

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Levanto tais relatos em consideração, a maioria da Seção de Recursos concluiu que os atos de Bemba não são suficientes para responsabiliza-lo pelos crimes cometidos por suas tropas.

Apesar da vitória, Bemba continuará preso em razão de sua interferência indevida com o Processo. Em outubro de 2016, Bemba e outras quatro pessoas foram condenadas por terem intervido ilegalmente na participação de quatorze testemunhas de defesa. A condenação em questão está, no momento, sendo revista, mas Bemba continuará detido até que seja exarada uma decisão final.

O futuro é ainda mais incerto na República Democrática do Congo.

Bemba não é um réu qualquer, mas um conhecido empresário e político, cuja, foi nomeação como vice-presidente em 2003 contribuiu para a transição do fim do conflito no Congo para a paz.

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Em 2006, Bemba perdeu a corrida presidencial contra Joseph Kabila, que sucedeu seu pai, Laurent-Désiré Kabila, na presidência.

Kabila continua no poder e uma recente onda de protestos e violência contra seu governo fez com que agendasse novas eleições presidenciais para o 23 de dezembro deste ano. Bemba, representante de uma vertente política da nação, possuía, em janeiro, 6% de intenção de votos do eleitorado[1]. A sua absolvição e a expectativa do revisão do julgamento da outra ação envolvendo Bemba irão, portanto, certamente influenciar esse cenário.

O Tribunal Penal Internacional tem, em suas mãos, não somente a liberdade de um político, mas o futuro de um país.

*Paula Baldini Miranda da Cruz. Advogada formada pela Universidade de São Paulo e Mestre em Estudos Avançados em Direito Internacional pela Universidade de Leiden, na Holanda.

*Rafael Braga da Silva. Advogado formado na Pontifícia Universidade Católica/SP, pós-graduado em Direitos Fundamentais pela Universidade de Coimbra. Atualmente cursando mestrado em Crimes Transnacionais e Justiça na UNICRI - United Nations Interregional Crime and Justice Research Institute.

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