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Tribunal Militar manda restaurar processo contra coronel de milícias 'Pessôa Anta', fuzilado há quase 200 anos

Corte julgou caso em que familiares de João de Andrade Pessôa, executado em 1825 por tribunal de exceção, pela participação da Confederação do Equador, movimento separatista; autos podem ser restaurados com base em documentos históricos

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Por Redação
Atualização:

A Corte do Superior Tribunal Militar concedeu, por unanimidade, o mandado de segurança que determinou a restauração dos autos do processo que culminou com a pena capital de João de Andrade Pessôa, o 'Pessôa Anta'. A ação judicial foi impetrada pela quinta geração da família do então coronel de Milícias, executado por fuzilamento em 30 de abril 1825, na cidade de Fortaleza (CE).

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A sessão do Tribunal Militar foi transmitida ao vivo. As informações foram divulgadas pelo STM.

Pessôa Anta, como ficou historicamente conhecido, foi sentenciado pela Comissão Militar do Ceará, instaurado como órgão de exceção para coibir revoluções do período imperial.

No julgamento, ele foi considerado 'traidor do Império' e apontado como um dos 'cabeças' da Confederação do Equador, movimento revolucionário de caráter separatista que teve início em 1824 e que foi deflagrado em algumas províncias brasileiras.

Parentes recorrem à Justiça Militar da União

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Os familiares de Pessôa ajuizaram um processo de restauração de autos perante a Auditoria da 10.ª Circunscrição Judiciária Militar (1ª Instância da Justiça Militar da União no Ceará), em novembro de 2017.

O intuito era que fosse feita a reconstituição do processo original, que resultou na execução do coronel.

No entanto, por meio de um despacho proferido pelo juiz federal substituto daquela CJM, o pleito foi indeferido.

O magistrado alegou falta de amparo legal pela inexistência de arquivos relacionados ao fato, ressaltando que o processo foi realizado de forma sumaríssima e verbal, o que impediria a existência de autos físicos.

Enfatizou ainda que os documentos mais antigos remontam a 1964 naquela Auditoria e a 1845 no STM.

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Por fim, o juiz da 10.ª CJM salientou que a Comissão Militar do Ceará, responsável pelo julgamento à época, não pode ser considerada órgão da Justiça Castrense, motivo pelo qual aquele juízo não poderia ser considerado competente para conhecer do feito.

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Insatisfeitos com a decisão de primeira instância, os familiares recorreram ao STM com o objetivo de impugnar a decisão que não conheceu do pedido de restauração de autos. Eles salientaram que a ausência de registro nos arquivos da 10ª CJM não impede a reconstituição se houver outros meios idôneos de realizá-la.

Procedimento para restauração dos autos

O processo de restauração dos autos está previsto no Código de Processo Penal Militar (CPPM), mais especificamente no Capítulo VII, artigo 481. Nele, consta que os originais de processo penal militar extraviados ou destruídos, em primeira ou segunda instância, serão restaurados.

O artigo elenca as condições para que o procedimento seja possível, explica como deve ser realizado, assim como as formas para obtenção da documentação.

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O mandado de segurança foi julgado originalmente no STM em novembro de 2018, momento em que o ministro Péricles Aurélio Lima de Queiroz pediu vistas dos autos. O voto foi apresentado na sessão de julgamento realizada na última quarta-feira (24) quando a corte manifestou posicionamento favorável ao pleito da família de Pessôa Anta e reformou a decisão de primeira instância.

Dentre os aspectos considerados para a decisão, o ministro Péricles discorreu sobre a competência para o julgamento da causa. Ele reforçou que a criação do Conselho Supremo Militar e de Justiça ocorreu ainda em 1808, por iniciativa do Príncipe Regente Dom João. Tal órgão é o precursor do STM, que funciona ininterruptamente desde então.

Já a Comissão Militar do Ceará não era integrante da estrutura da justiça comum, constituindo-se em órgão de exceção. Tal fato era atestado também pelo fato de que das suas decisões não caberia recurso a nenhuma outra instância além do próprio imperador, que poderia conceder o perdão.

Porém, o ministro Péricles entendeu que a Justiça Castrense é a mais indicada para tratar do feito, não só pela composição da Comissão, que era formada por oficiais militares em estrutura similar aos Conselhos de Guerra e atuais Conselhos de Justiça, como pela sua competência para o julgamento de crimes militares e praticados no contexto de revolução interna.

Ausência de documentação

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Sobre a impossibilidade de restauração do processo pela ausência de documentação, o ministro defendeu a tese que, embora os julgamentos no período da Confederação do Equador fossem realizados de forma oral, existem relatos e documentos históricos que apontam para a transcrição de depoimentos e sentenças referentes a processos de líderes da Confederação do Equador. Um deles foi o julgamento de Frei Caneca pela Comissão Militar de Pernambuco, cujos documentos foram publicados no impresso "Obras Politicas e Litterarias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca".

Prosseguimento da ação

Com a decisão proferida pelo STM, a atribuição para instauração do processo de restauração dos autos será do juízo de 1ª instância, uma vez que a auditoria competente deverá ser aquela onde foi dado início ao procedimento, conforme está previsto no CPPM.

Ao final, será proferida sentença e, se julgada procedente, os autos respectivos valerão pelos originais. Ainda de acordo com o CPPM, não há previsão de prazo para se pedir a restauração e a mesma poderá ser instaurada de ofício.

"Não obstante entenda que a reconstrução dos autos do processo que culminou na execução de João de Andrade Pessôa seja uma tarefa árdua, não é possível que esta Justiça Castrense se exima da missão, sob pena de negar às partes interessadas o acesso ao Poder Judiciário, direito previsto na Carta Magna", reforçou o magistrado responsável pelo voto de vista.

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O ministro ressaltou também que os familiares não pleiteiam nenhum ressarcimento e que esse é um processo emblemático, frisando que o STM entendeu o seu papel diferenciado. Péricles Queiroz lembrou ainda que a decisão do STM não tem como foco propor uma mudança político-histórica, mas sim atender ao pedido de cidadãos civis que buscam o judiciário como forma de garantir os seus direitos.

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