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Tribunal mantém prisão de homem que descumpriu medida protetiva e dizia que 'nem o capeta' o tiraria de casa

Desembargadores da 5.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Santa Catarina negaram pedido de agressor da ex que invadiu casa bêbado e ameaçou matá-la; em agosto, a Corte também manteve a prisão de um agressor que dizia que as medidas protetivas eram 'só um papel'

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Por Pepita Ortega
Atualização:

Violência contra a mulher. Foto: Pixabay / ninocare

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a prisão de um homem, residente na região serrana do Estado, que descumpriu medidas protetivas em favor da ex-companheira e da ex-enteada, que sofriam ameças e violências há anos. O agressor cumprirá quatro meses e 25 dias de detenção - em regime aberto. "Ele debochava da gente e dizia que lá de casa nem o capeta tirava ele", contou uma das vítimas.

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A decisão foi dada no dia 10 pelos desembargadores da 5.ª Câmara Criminal do Tribunal, que confirmaram decisão de primeiro grau.

Os magistrados analisaram um recurso do réu, que declarou que a acusação estava correta 'em parte'. Alegou que ficou por um tempo na garagem da casa até se estabelecer em algum lugar, porque não tinha onde ficar.

O homem dizia ainda que a vítima consentia com sua permanência no local.

A ex-mulher contou ao juízo que sofria ameças constantes. Segundo os autos, ela foi à delegacia na segunda vez que foi agredida fisicamente e pediu medida protetiva. Após o homem ameaçar a enteada, a mulher também requereu proteção para ela. "Vivemos durante oito anos em constante humilhação", disse.

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Segundo a vítima, o ex-companheiro nunca de fato cumpriu as medidas protetivas. As ordens proibiam o homem de manter contato com as vítimas e determinavam seu afastamento do lar e das mulheres, com distância mínima de 150 metros.

No entanto, o homem dormia em um sofá que ficava na garagem da casa da ex.

Segundo a mulher, o oficial de Justiça tirava o homem da residência, mas ele voltava, quebrando portas e retirando os vidros das janelas para entrar. Ele deixava ainda um cachorro Rottweiler solto no quintal para ninguém sair da residência, conta a vítima.

A enteada contou também que o ex-padastro sempre ameaçava sua mãe, dizendo que se chamasse a polícia 'acabaria com elas'. O homem também escondia roupas da ex e a seguia até o trabalho, diz. Segundo a moça, sua mãe nunca concordou que o homem ficasse no local. A própria mulher relatou que pedia para o homem ir embora.

A enteada disse ainda que sua mãe ficou depressiva e acamada, e que o homem, diante de tal situação, dizia que iria 'colocar fogo' na ex-companheira.

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O dia 1.º de janeiro deste ano foi o 'pior dia', segundo a ex-companheira. O homem, embriagado, chegou às seis horas da manhã na casa das vítimas e ameaçou de morte a ex e a enteada.

O homem teria ainda ficado nu na casa e dizia que as filhas da mulher eram 'piranhas'.

O policial que atendeu a ocorrência contou que a mulher e seus filhos estavam muito assustados, sendo que 'algumas das crianças estavam trancadas em um quarto'. O agente relatou ainda que o homem estava 'muito violento, tinha quebrado a porta do banheiro e dizia que ia matar todos'. Ele teria até chamado os policiais de 'demônio'.

A decisão

Em seu voto, a relatora da apelação disse que não havia nenhum indício de que a vítima teria deixado que o homem continuasse a residir naquele local e destacou o relato da mulher de que teria pedido para que o ex-companheiro saísse de casa.

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A relatora destacou que a ausência de notificação sobre o descumprimento reiterado das medidas não equivaleria a consentimento.

A magistrada apontou que a vítima não tinha condições físicas e nem emocionais de afastar o homem da garagem de sua casa, uma vez que ele era muito violento e ameaçava ela e seus filhos constantemente.

A desembargadora fez ponderações sobre a suficiência do relato da vítima para a decisão. "É cediço que nos crimes praticados com violência doméstica ou familiar contra a mulher, na grande maioria das vezes, o único elemento de prova é a palavra da vítima, razão pela qual, quando a versão da ofendida é firme e coerente, seu depoimento é elemento probatório suficiente para condenação", sentenciou.

As medidas protetivas

A juíza Rafaela Caldeira Gonçalves, da Vara Regional Oeste de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher de São Paulo, aponta que as medidas protetivas, previstas na Lei Maria da Penha, são umas das principais ferramentas no combate à violência de gênero no contexto doméstico familiar, visto que viabilizam a proteção da mulher.

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As medidas impõem constrições de natureza penal (proibição de frequência a determinados locais, imposição de distância mínima, vedação de contato ou suspensão de porte de arma), de direito de família (guarda, alimentos, suspensão do direito de visitas dos filhos, afastamento do lar) e trabalhista (permanência do vínculo trabalhista, em caso de afastamento do trabalho).

"A concessão de medidas protetivas e pode fazer cessar a situação de violência , e assim evitar a continuidade de uma situação crônica, impedindo que novos episódios desta natureza ocorram e culminem em sua morte", diz a magistrada.

A moça diz que hoje 'está muito melhor' sem o homem em casa, mas tem medo de quando ele sair da prisão.

Ela também indicou ao juízo que pediu novas medidas protetivas para si e para a filha.

Medida protetiva não é 'só um papel'

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O Tribunal de Justiça de Santa Catarina já havia destacado, na apreciação de outro caso, a possibilidade de prisão em caso de descumprimento de medida protetiva, como previsto no Código de Processo Pena.

Em julgamento realizado em agosto, os magistrados da Corte de Santa Catarina avaliaram pedido de habeas corpus de um homem que não obedeceu uma ordem protetiva e ameaçou sua ex-companheira, dizendo: "Você não vai fugir para sempre, a medida protetiva é somente um papel. Se eu for para a cadeia, você vai para o cemitério".

Ele acumulava 10 medidas protetivas relativas a ações de outras mulheres e já havia sido preso preso preventivamente por descumprimento de tais ordens judiciais.

O homem teria não só ofendido e ameaçado a vítima, mas agredido sua amiga com um soco, além de perseguir as mulheres.

Ao juízo, alegava que caso fosse condenado receberia pena menos rigorosa do que a prisão. Dizia que era 'um cidadão de bem, que tinha residência fixa, trabalho e família' o que demonstraria que 'observava a lei e sempre a respeitou'.

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Os desembargadores entenderam que a prisão do homem foi decretada com base na 'necessidade de acautelamento da ordem pública' e destacaram que, quando a medida é determinada para garantir o cumprimento de medidas protetivas, não há nem necessidade de que o homem seja imputado com pena superior a quatro anos de detenção.

Segundo o relator da ação, nesses casos, a prisão tem como objetivo garantir o cumprimento de medidas protetivas.

O desembargador apontou ainda o 'descaso e desrespeito' do homem pelas decisões judiciais e ressaltou o incremento de seu nível de agressividade.

"Entendo que as medidas de proibição de contato e aproximação da vítima não foram suficientes para evitar o contato, sendo necessário maior rigor, até para se evitar mal mais grave. Da mesma forma, a aplicação de novas medidas cautelares alternativas à prisão preventiva (artigo 319 do Código de Processo Penal) não se mostram suficientes, adequadas e proporcionais à gravidade dos fatos noticiados, ao menos por ora", escreveu.

Segundo a juíza Rafaela Caldeira, a possibilidade de decretação da prisão em caso de descumprimento das medidas protetivas, sinaliza à sociedade que a violência de gênero no contexto de violência doméstica não mais será tolerada.

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A magistrada destaca que o fenômeno da violência contra a mulher é 'crônico e endêmico', atingindo a sociedade em todos os níveis socioeconômico e culturais.

Rafaela aponta que a questão era e ainda é, de certo modo, invisível, mas se tornou mais conhecida e debatida após a Lei Maria da Penha.

"Deixarmos de achar normal que um namorado, companheiro, marido, pai, avô, tio, padrasto ou irmão possa xingar, agredir e até mesmo abusar de sua namorada, companheira esposa, filha, sobrinha, neta, irmã ou enteada. Isto sempre houve desde muito tempo, apenas se entendia como aceitável por muitos de todos nós", diz.

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