Os desembargadores da 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiram manter decisão que isentou o governo do Estado de assumir dívida de R$ 230 mil referente à internação de uma paciente com covid-19 em hospital particular por falta de leitos disponíveis no Sistema Único de Saúde. Os magistrados ainda negaram pedido de declaração de inexigibilidade de débito decorrente do contrato fechado entre a filha da paciente e o hospital responsável pelo tratamento.
Segundo os autos, a autora da ação levou sua mãe a hospital particular para atendimento de Covid-19, sendo que, ao final da consulta, percebeu-se um agravamento do quadro de saúde e a necessidade de internação. Em razão da falta de vagas no sistema público de saúde naquele momento, a filha da paciente fechou contrato de assistência médica e sua mãe seguiu com tratamento por 12 dias, quando foi disponibilizada vaga no SUS e efetuada a transferência. Do atendimento no hospital particular, foi cobrado o valor de R$ 230.393,34, e a mulher requer que o valor seja pago pela Fazenda do Estado.
Ao analisar o caso, o desembargador Décio Notarangeli, relator, ponderou que, na verificação de possível negligência na disponibilização de leito para a internação, deve ser considerado o contexto da pandemia. "A escassez de leitos diante da demanda decorrente do elevadíssimo número de casos diários de Covid-19 registrado nos picos de contaminação no país é fato público e notório, inexistindo indícios de que o Estado de São Paulo tenha falhado na condução da crise sanitária e possa ser responsabilizado pela falta de leitos nos momentos mais graves da pandemia", apontou.
Nessa linha, o magistrado lembrou que a corte paulista e os tribunais superiores negaram pedidos para que os Estados e municípios fossem obrigados a disponibilizar imediatamente leitos para pacientes pacientes com covid-19. Evocando tal orientação, o desembargador considerou, por lógica, há 'ausência de dever do Estado de suportar diretamente os custos de internação particular de umaou algumas das vítimas da pandemia do novo coronavírus durante o período em que aguardaram vaga no SUS'
"Deveras, afora a obrigação de fazer consistente nadisponibilização de vagas em leitos hospitalares, não se cogita de obrigação de fazer pagamento, que é obrigação pecuniária, obrigação de solver dívida em dinheiro, espécie particular de obrigação de dar coisa certa. Em suma, da imprevisibilidade e inevitabilidade da pandemia advém a inexigibilidade de conduta diversa que rompe o nexo causal entre a omissão apontada pela parte e o dano por ela experimentado, o que exclui o dever de indenizar acarretando a improcedência dos pedidos", avaliou.
Já com relação à inexigibilidade de débito, o desembargador ponderou que não foi questionada a necessidade dos serviços, nem demonstrado que o preço cobrado está acima da média, indicando que o 'sacrifício patrimonial extremo' não basta, 'por si só', apara o acolhimento do pedido.
"Mesmo em se tratando de emergência médica, situação crítica, súbita e imprevista, com risco de vida para a paciente, não está configurado vício de consentimento para invalidação do contrato conscientemente celebrado pela apelante, em especial pela ausência de demonstração de prática abusiva pelo hospital apelado", concluiu.