Após a aprovação pelo legislativo, a Presidência da República, vetou, na integralidade, o projeto. Em outras palavras, o presidente não aprovou o referido projeto.
Em resumo o projeto pretende a alteração do § 4º e §5°do artigo 12 da referida Lei, para ampliar a cobertura de tratamentos antineoplásicos ambulatoriais e domiciliares de uso oral, de procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e de hemoterapia, os quais na redação original da lei, são de cobertura obrigatória desde que registrados pela ANVISA e, também, desde que revisados e incluídos no rol da ANS.
A ampliação se daria com a retirada da necessidade de revisão dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para análise e inclusão no rol da ANS. Pelo projeto, os tratamentos oncológicos orais, ante sua natureza e urgência, teriam cobertura obrigatória desde que aprovados pela ANVISA, independente da publicação pela ANS, a qual, segundo justificativa do projeto, demanda tempo para atualizações.
Além disso, o projeto traz o prazo de 48 horas após prescrição médica para fornecimento dos tratamentos oncológicos, por meio de rede própria, credenciada, contratada ou referenciada, situação que na atual redação não é submetida a prazo legal.
Embora aprovado por maioria no legislativo, o projeto foi integralmente vetado pela presidência da república, sob fundamento de que além de "criar privilégios" aos pacientes oncológicos em relação aos demais pacientes, o projeto não observa critérios de transparência, previsibilidade e segurança jurídica, podendo causar impactos à atividade dos planos de saúde e, por via indireta, aos consumidores.
O veto presencial não é suficiente para inviabilizar o projeto, isso porque o veto poderá ser derrubado pela maioria absoluta dos Deputados e Senadores. O projeto segue para essa etapa do processo legislativo.
Em que pese os fundamentos trazidos no veto presidencial, o projeto traz um avanço na celeridade da cobertura de tratamentos oncológicos orais e ratifica a realidade já vivenciada diariamente no judiciário brasileiro, com o fenômeno da judicialização da saúde.
São inúmeras as liminares que versam sobre a concessão de tratamentos dessa natureza, independente da inclusão desses medicamentos no rol da ANS. O projeto, por sua vez, colocaria um fim na "novela" das negativas pelas operadoras de planos de saúde e, posterior, autorização compulsória via decisão judicial.
A judicialização da saúde é um fenômeno que já faz parte da realidade do judiciário brasileiro e segundo o Relatório "Justiça em Números" do Conselho Nacional de Justiça, o aumento nas demandas relacionadas à área da saúde alcançou o percentual de 130% no período analisado (2008 à 2017), sendo o principal assunto discutido: planos de saúde.
Desta forma, embora existam "barreiras" à obrigatoriedade de cobertura de alguns tratamentos oncológicos pelos planos de saúde, esse entrave é, em sua grande maioria, resolvido nos tribunais, com base no direito à vida, à saúde e dignidade da pessoa humana.
O projeto buscou trazer um avanço aos direitos dos pacientes oncológicos no que tange a segurança de cobertura de seus tratamentos, independente da necessidade de espera de atualização do Rol da ANS ou, ainda, submissão à protocolos e condições previstas em Diretrizes de Utilização (DUT).
Segundo os números publicados pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Brasil alcança aproximadamente 310.000 casos novos de neoplasias em homens e 316.000 casos novos de neoplasias em mulheres por ano (números do ano 2020). Com isso, o número de pacientes que podem a vir necessitar de tratamentos oncológicos orais, com impacto direto na sua saúde e longevidade, é considerável e deve ser objeto de discussão pública.
A realidade das doenças oncológicas é evidente e devidamente comprovada por números, não se pode fundamentar que as operadoras e seguradoras de planos de saúde não possuem previsibilidade e/ou não incorporem em seu risco do negócio a sinistralidade decorrente de tais condições de saúde, ainda mais, pela realidade que enfrentam há anos com demandas judiciais dessa natureza.
É certo que existem argumentos contrários ao projeto, levantados pelo governo federal, que também devem ser fruto de análise e adequação, como é o caso da segurança jurídica, entretanto, tais argumentos já se encontram superados pelo fato de que o judiciário acaba por remediar as negativas dos planos de saúde e, em sua maioria, garantem o acesso aos tratamentos oncológicos dispostos na Lei 9656, independente do rol da ANS.
De toda forma, o projeto retorna ao legislativo para nova votação e, na hipótese de aprovação por maioria absoluta dos Senadores e Deputados, o veto presidencial é derrubado e o projeto de lei, por sua vez, aprovado.
*Thamires Pandolfi Cappello, advogada. Doutoranda e pesquisadora sanitarista na USP. Mestre em Direito pela PUC/SP. Coordenadora do curso de pós-graduação em Direito Médico, Hospitalar e da Saúde da FASIG. Fundadora do Health Talks BR