O contexto da pandemia de covid-19 nas prisões brasileiras já está posto. A situação beira o colapso e não por falta de avisos e denúncias feitos principalmente por organizações de direitos humanos e familiares de detentos. Falta de testes, ausência de materiais de proteção e negligência com presos do grupo de risco são algumas das principais reivindicações sobre o que está acontecendo dentro do sistema prisional.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu a regulamentação 62, que dispõe sobre a redução da população carcerária como forma paliativa na contenção da doença. Todavia, o que se vê na prática são decisões que correm o país inteiro mantendo homens e mulheres encarcerados - fato que, inclusive, gerou mais uma denúncia do Brasil à ONU. A ação foi feita pela ONG Conectas no dia 15 de julho e expõe a postura negacionista do Estado brasileiro diante do cenário do coronavírus nas prisões.
Além da medida do CNJ, a orientação foi para os departamentos penitenciários suspendessem as visitas a fim de evitar a transmissão da covid-19. Porém, os familiares denunciam que a suspensão não só não evitou o contágio, como abriu a porta para práticas de torturas e violações de direitos ainda mais severas.
Ocorre que, considerando a situação dos presídios no Brasil - o qual conta com a terceira maior população carcerário do mundo - as famílias acabam sendo "os olhos" dos presos dentro do sistema. São, sobretudo, as esposas, mães, filhas e irmãs que estão semanalmente conferindo como estão seus entes, e que agora, estão impedidas de vê-los. A princípio foram regulamentadas as chamadas "visitas virtuais", nas quais o preso teria direito a trinta minutos de ligação por vídeo com seus familiares. Contudo, na maioria dos Estados brasileiros a reclamação é a mesma: este direito não está sendo cumprido.
A falta de comunicação entre encarcerados e comunidade já passa dos quatro meses, e conforme pesquisa divulgada recentemente pelo Núcleo de Estudos da Burocracia da Fundação Getulio Vargas, somente no estado de São Paulo quase 70% dos parentes de detentos estão sem informações. Outro fator refere-se às chamadas "sacolas" - que contêm itens de higiene e alguns alimentos permitidos - e que não estão sendo entregues, também com a justificativa de evitar a transmissão do vírus. O que foi sugerido pelo DEPEN é que as famílias enviem suas entregas via SEDEX, o que acaba gerando um custo alto e restringindo as encomendas.
O mais alarmante, no entanto, são as denúncias que incluem práticas violentas como o uso de balas de borrachas e spray de pimenta por parte das polícias penais (antigos agentes penitenciários) e dos grupos de operações especiais, como a SOE por exemplo. No Estado do Paraná a Defensoria Pública por meio de um grupo formado com familiares têm recebido algumas fotos e relatos sobre a descabida força policial utilizada dentro do sistema.
A Agenda Nacional pelo Desencarceramento tem divulgado em suas redes as diversas manifestações que familiares estão fazendo em todas as regiões brasileiras. Note-se que num contexto de pandemia, em que a medida mais recomendada é o isolamento social, não resta alternativa para quem não está tendo a chance de ser ouvido, sendo a rua a última e única opção viável. Os pedidos são pelo fim da tortura, desencarceramento - especialmente do grupo de risco - e máscaras e demais materiais de proteção contra a covid-19.
Segundo o último relatório apresentado pelo CNJ, havia até o dia 6/7 um total de 10.484 casos confirmados da doença nas prisões, tendo sido registradas 126 mortes, sendo que estes números incluem tanto detentos quanto servidores. Uma dessas mortes foi do ex-deputado federal Nelson Meurer, que faleceu em Francisco Beltrão no Paraná onde cumpria pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ex-parlamentar que tinha 78 anos e era portador de diversas comorbidades, teve seu pedido de prisão domiciliar negado pelo Supremo Tribunal Federal por meio de decisão do Ministro Edson Fachin
Este não foi um caso isolado e é evidente que o teor dessas decisões contribui para a tragédia amplamente anunciada da covid-19 nos presídios do Brasil, já somada aos problemas inerentes de um sistema penal racista e classista. Resta aos familiares tentar visibilizar suas angústias e assim pressionar o Estado para que tome medidas eficientes e de maneira urgente.
*Janaína Maurer, advogada formada pela UFPR e especialista em Direito Penal e Criminologia pelo ICPC