No domingo, um caso de tortura infantil ocorrido em Campinas comoveu o Brasil. Um menino de 11 anos era mantido acorrentado pelas mãos, pés e cintura dentro de um barril há pelo menos um mês em uma casa no bairro Jardim Itatiaia. A criança, que estava nua e era alimentada com restos de comida, foi libertada após denúncia dos vizinhos à Polícia Militar. Diante das câmeras da TV, um representante do Conselho Tutelar confirmou que a família vinha sendo acompanhada há cerca de um ano.
O garoto era torturado pelo pai e a polícia investiga se a madrasta e sua filha tinham participação direta no crime. Os três tiveram a prisão preventiva decretada. Além da crueldade, o crime me chamou atenção pela semelhança com o caso Gabriel Fernandez, de 8 anos, que morreu depois de ser torturado pela mãe, Pearl Fernandez, e seu namorado, Isauro Aguirre, nos Estados Unidos. Apesar do desfecho diferente, a semelhança consiste no fato de que serviços públicos de assistência à infância também acompanhavam o caso americano e falharam em proteger Gabriel, tal como pode ter acontecido em Campinas.
Os vizinhos da família de Campinas contaram à imprensa que os maus-tratos aconteciam há anos e afirmaram que denunciaram o caso ao Conselho Tutelar. À imprensa, o órgão admitiu que acompanhava o caso, mas disse não ter dimensão da gravidade. Diante da situação, o Ministério Público já afirmou que investigará os conselhos de apoio para entender se houve omissão em proteger a criança.
Se a investigação constatar que os conselheiros tutelares ou outros agentes públicos tinham conhecimento dos maus-tratos e não agiram para evitar esse resultado, também podem responder pelo crime de tortura na modalidade técnica chamada omissão imprópria. Isso se aplica porque o Conselho Tutelar tem a obrigação de atuar e adotar medidas para evitar a tortura e maus-tratos contra a criança. Como agentes públicos, os conselheiros têm obrigação legal de proteger a infância. A pena, para esses casos, é de detenção de 1 a 4 anos. E pode ser aumentada de um sexto a um terço pelo fato da vítima ser criança.
O pai vai responder pelo crime de tortura com aumento de pena. De acordo com o Código Penal, quando a tortura causa perigo de vida, a pena varia de 4 a 10 anos. A punição também é ampliada em um sexto a um terço da pena quando o crime é praticado contra criança. Considerando essas situações, a pena do pai pode variar entre 4 anos e 8 meses até 13 anos.
No caso da madrasta e sua filha, a polícia investigará se elas participavam da tortura da criança. Se ficar comprovado que ambas tinham envolvimento direto no crime, a pena é a mesma. E ainda que a madrasta não tenha participação efetiva na tortura, é possível que ela responda pela prática do crime, pois como madrasta tem dever de tutela com relação à criança e, por isso, obrigação de evitar a prática do crime pelo seu marido, ao menos comunicando as autoridades. Já a filha da madrasta, por não ter dever de tutela sobre a criança, mas conhecimento da prática da tortura, responde por crime de omissão de socorro previsto na Lei da Tortura, cuja pena pode variar de 1 ano e 2 meses a 5 anos e 3 meses.
É preciso deixar bem claro que a legislação estabelece mecanismos para punir a omissão daquele que tem a obrigação de cuidar da criança; de apurar o crime de tortura e também daquele que tem um dever geral de solidariedade, como é o caso da filha da madrasta e dos vizinhos. Se calar diante de maus-tratos contra a criança é crime.
*Danilo Campagnollo Bueno é advogado criminalista, especializado em Direito Penal Econômico e da Empresa, mestrando em Direito Penal Econômico pela FGV-SP e professor convidado de pós-graduações