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'Típico do instinto do homem descer a porrada'

Ministério Público Federal de Goiás aponta, em ação civil, 'intimidação de testemunhas' em investigação sobre tortura no Exército que levou ao menos onze soldados para hospital; Procuradoria pede afastamento de capitão da sindicância; oficial teria sido gravado cobrando 'quem procurou jornalistas e procuradores após a entrada de um recruta na unidade médica'

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Por Renan Mello Xavier
Atualização:

Foto ilustrativa. Crédito: Pixabay  

O Ministério Público Federal de Goiás ingressou com uma ação civil pública contra a União por 'coação de testemunhas' no caso que apura suposta prática de tortura contra onze soldados em um batalhão do Exército em Jataí, cidade no sudoeste do estado. Segundo a procuradoria, oficiais do 41.º Batalhão de Infantaria Motorizado 'vêm praticando uma série de ilegalidades com o fim de obstruir a investigação interna'.

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O Ministério Público Federal pede que um capitão seja imediatamente afastado da sindicância que apura os fatos e que sejam determinadas à União medidas administrativas preventivas contra outros três oficiais.

A Procuradoria quer a suspensão da sindicância, até a decretação de sua nulidade, e a condenação da União ao pagamento de danos morais coletivos no valor de R$ 5 milhões.

Em abril, onze recrutas, entre 18 e 19 anos, deram entrada no Hospital das Clínicas de Jataí após passarem pelos treinamentos físicos na unidade militar.

Familiares dos jovens relataram ao Ministério Público Federal que eles foram submetidos a 'excesso de exercícios e a agressões por parte dos instrutores'.

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Disseram, ainda, que o batalhão 'demorou para avisá-los sobre a entrada dos recrutas no hospital'.

O Exército instaurou uma sindicância interna para apurar o caso, mas, segundo a Procuradoria, 'o que era para ser um procedimento de investigação tornou-se uma rede de coação voltada não para a elucidação dos fatos e constrangimento de pessoas que procuram a Justiça ou a imprensa para relatar os maus tratos'.

Na ação, o MPF sustenta que 'na série de ilegalidades praticada estão a intimidação de testemunhas durante a tomada de depoimentos, a oferta de "acertos" contrários à lei com vistas a encerrar a sindicância, constrangimento de médicos militares para que repassassem informações de membros da equipe de saúde do hospital, e transferências administrativas de testemunha, com intuito intimidatório'.

Intimidação em sindicância

A Procuradoria destaca um áudio em que um capitão insiste em saber quem procurou jornalistas e procuradores após a entrada de um recruta na unidade médica.

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Em uma de suas falas, o oficial diz que é típico do instinto do homem 'descer a porrada', como se a prática fosse comum naquele meio.

O Ministério Público Federal chegou a recomendar o afastamento do recruta, o que não foi acolhido pelo Exército.

"O que se verificou, na verdade, foi o aprofundamento das medidas intimidatórias contra o jovem", diz a procuradoria.

Segundo o MPF, durante a tomada de depoimentos de envolvidos nos casos, o capitão responsável pela sindicância questionou um recruta com gritos, chutes na mesa e ordens para que a testemunha entrasse em confronto físico com ele.

Um comandante de pelotão teria oferecido a dispensa do serviço militar para outro recruta pela troca de versão no depoimento a fim de extinguir a investigação.

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Relatos de tortura

De acordo com testemunhas do caso, recrutas do Exército teriam sido internados no Hospital das Clínicas de Jataí após o desenvolvimento de atividades de campo, em situação de debilidade física, razão pela qual poderiam estar caracterizados eventuais maus tratos/tortura.

À Procuradoria, uma assistente social disse que, em seus 15 anos de hospital, sempre via militares darem entrada na unidade, mas com casos comuns, como quedas. Mas, segundo a profissional, os recrutas começaram a chegar em cadeiras de rodas e em situações graves.

Na noite do dia 25, segundo relatou a assistente social, um médico que não atende no hospital e um sargento entraram com um recruta em estado 'bem grave'. "Eles já chegaram com muita pressa, abriram a porta da estabilização, que é a sala amarela, e já disse pra médica que estava lá de plantão: me ajuda, me ajuda, nós temos que acudir ele aqui".

Uma enfermeira disse que um soldado deu entrada no hospital inconsciente, hipotérmico e com hipoglicemia. "Depois do banho, coloquei três cobertores nele, mas mesmo assim continuava inconsciente. Fiz vários testes de dor nele. Em momento algum teve resposta ao estímulo", disse.

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Outra enfermeira reclamou sobre a insistência de militares em permanecer em área restrita a pacientes e equipe de atendimento na semi-UTI, bem como a restrição de comunicação imposta aos recrutas.

"O tempo todo eles tinham um outro servidor do Exército com eles. A sala de estabilização é um lugar que fica só paciente, não fica acompanhante. Não fica mãe, pai, nada, e tinha um (militar) lá na parede do outro lado assim, o tempo todo. A gente falava que não podia ficar, e ele falava que tinha ordens para ficar."

Ao Ministério Público Federal, profissionais do hospital relataram 'a intervenção de um coronel nas atividades desenvolvidas para a recuperação dos recrutas'.

"Ele falava que o hospital estava com os termômetros estragados, porque todos os militares que chegavam estavam com febre, então era o termômetro da unidade que não prestava", disse uma enfermeira.

COM A PALAVRA, O EXÉRCITO

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A reportagem fez contato com o Exército. O espaço está aberto para manifestação.

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