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Teria havido crime de homofobia?

Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:
Rogério Tadeu Romano. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  Foto: Estadão

O vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) abertura de um inquérito contra o ministro da Educação, Milton Ribeiro, por homofobia, após declarações dadas em entrevista ao Estadão, em que ele exime a pasta de responsabilidades sobre a volta às aulas no País e atribui a homossexualidade de jovens a "famílias desajustadas".

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Na entrevista, o ministro afirmou que deve revisitar o currículo do ensino básico e promover mudanças em relação à educação sexual. Segundo ele, a disciplina é usada muitas vezes para incentivar discussões de gênero. "E não é normal. A opção que você tem como adulto de ser um homossexual, eu respeito, mas não concordo", afirmou ele, que também disse ter "certas reservas" sobre a presença de professores transgêneros nas salas de aula.

Foi pedida a abertura de investigação com base na Lei nº 7.716, que define os crime resultantes de preconceito.

Segundo o site da CNN, em 26 de setembro do corrente ano, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, afirmou) que suas declarações recentes sobre homossexualidade, que lhe renderam acusações de discriminação, foram mal interpretadas e replicadas fora de contexto. Ribeiro também pediu desculpas aos que tenham se sentido ofendidos.

"Venho esclarecer que minha fala foi interpretada de modo descontextualizado", afirmou o ministro, em nota de esclarecimento divulgada à imprensa e em sua conta pessoal no Twitter no início da noite. "Jamais pretendi discriminar ou incentivar qualquer forma de discriminação em razão de orientação sexual."

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Teria havido por parte do ministro da Educação uma declaração que envolva uma conduta homofógica?

A Constituição Federal brasileira não cita a homofobia diretamente como um crime.

Todavia, define como "objetivo fundamental da República" (art. 3º, IV) o de "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, ou quaisquer outras formas de discriminação".

A homofobia é o termo usado para designar o preconceito e aversão aos homossexuais.

Atualmente a palavra é usada para indicar a discriminação às mais diversas minorias sexuais, como os diferentes grupos inseridos na sigla LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, transgêneros, travestis e intersexuais). A repulsa e o desrespeito a diferentes formas de expressão sexual e amorosa representam uma ofensa à diversidade humana e às liberdades básicas garantidas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal, que aponta a dignidade da pessoa humana como um direito impositivo(artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal).

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Não se pode proibir que alguém demonstre uma manifestação de aceitação.

Vem a pergunta: O que é homossexual?

Homossexual pode ser definido, de modo restrito, como a pessoa que mantém relações sexuais com parceiros do mesmo sexo. Mas vem a pergunta: a homossexualidade seria vista por beijos, abraços? Estariam nesse contexto as chamadas fantasias eróticas?

Nos Estados Unidos, o simples fato de uma mulher ter como amigos bissexuais foi o suficiente para caracterizá-la como tal(Bennet v. Clemens 230 Ga. 317, 196. S.E. 2d 842(1973).

A sociedade democrática de nossos dias, onde a inclusão, a igualdade de direitos, a liberdade, são seus paradigmas, não pode ver no homossexual o estereótipo de doente ou desviado.

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O voto do relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, ministro Celso de Mello, foi finalizado na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF). O decano da Corte concluiu que o Congresso Nacional foi omisso ao deixar de editar lei que criminaliza atos de homofobia e transfobia. O julgamento da ação, ajuizada pelo Partido Popular Socialista (PPS), teve início, na sessão do dia 14 de maio de 2019.

Em seu voto, o ministro Celso de Mello reconheceu a inconstitucionalidade na demora do Congresso Nacional em legislar sobre a proteção penal aos integrantes do grupo LGBT, declarando a existência de omissão legislativa. O ministro deu interpretação conforme a Constituição Federal para enquadrar a homofobia e a transfobia, ou qualquer que seja a forma da sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos em legislação já existente, como a Lei Federal 7.716/1989 (que define os crimes de racismo), até que o Congresso Nacional edite uma norma autônoma.

O ministro destacou que as práticas homofóbicas configuram racismo social, consagrado pelo Supremo no julgamento do Habeas Corpus (HC) 82424 - Caso Ellwanger - considerando que essas condutas são atos de segregação que inferiorizam membros integrantes do grupo LGBT. Ele votou pela procedência da ação com eficácia geral e efeito vinculante. Em seu voto, declarou que os efeitos da decisão somente se aplicarão a partir da data de conclusão do julgamento.

Volto-me ao que foi informado pelo Supremo Tribunal Federal, em seu site, sobre o julgamento.

"O decano avaliou que este é um julgamento em favor de toda a coletividade social e que a decisão não será proferida contra alguém ou contra algum grupo, da mesma forma que não pode ser considerado um julgamento em favor de apenas alguns. "O fato irrecusável no tema em exame é um só: os atos de preconceito ou de discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de gênero não podem ser tolerados, ao contrário, devem ser reprimidos e neutralizados, pois se revela essencial que o Brasil dê um passo significativo contra a discriminação e contra o tratamento excludente que tem marginalizado grupos minoritários em nosso país, como a comunidade LGBT", salientou.

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O ministro afirmou que a homofobia representa uma forma contemporânea de racismo e avaliou a importância do julgamento no processo de ampliação e de consolidação dos direitos fundamentais das pessoas. "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade de direitos", destacou o relator, ressaltando que a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais à dignidade e à humanidade de cada pessoa, "não devendo constituir motivo de discriminação ou abuso". Segundo ele, a diversidade das formas de vida e o direito à diferença não podem, em nenhum caso, servir de pretexto aos preconceitos raciais, mesmo porque as diferenças entre os povos do mundo não justificam qualquer classificação hierárquica entre as nações e as pessoas.

De acordo com o relator, o Estado tem o dever de atuar na defesa da dignidade da pessoa humana e contra a permanente hostilidade contra qualquer comportamento que possa gerar desrespeito aos valores da igualdade e da tolerância. O ministro Celso de Mello observou que a ausência de ação estatal quanto às agressões praticadas contra grupos sociais vulneráveis "e a recusa do poder público em enfrentar e superar as barreiras que inviabilizam a busca da felicidade por parte de homossexuais e transgêneros, vítimas de inaceitável tratamento discriminatório, traduzem omissão que frustra a autoridade do direito, que desprestigia o interesse público, gera o descrédito das instituições e compromete o princípio da igualdade". Ele afirmou que o Poder Judiciário deve tornar efetiva a reação do Estado na prevenção e repressão nos atos de preconceito e discriminação praticados contra pessoas que integram grupos vulneráveis."

Condenam-se, com razão, os que discriminam em razão de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional --como consta da lei n° 7.716, de 1989. Não seria menos errado discriminar devido à orientação sexual.

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria, no dia 23 de maio de 2019, para declarar omissão do Congresso Nacional no enfrentamento da discriminação contra a população LGBTI e enquadrar a homofobia e a transfobia como uma forma de racismo.

Será crime "praticar, induzir, ou incitar a discriminação ou preconceito" em razão da orientação sexual da qualquer pessoa. A pena será de 1 a 3 anos, mais multa, e pode subir de 2 a 5 anos se houver divulgação do ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social.

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Não havendo dolo, elemento subjetivo do tipo, não há que falar em crime de homofobia.

É crime comum, formal (que não exige para a sua consumação resultado naturalístico). Havendo dano ocorre o exaurimento.

É crime instantâneo, de perigo comum, unissubjetivo.

Por fim, dir-se-á que caberá à procuradoria-geral da República, a quem cabe o exercício da ação penal pública incondicionada para o caso, decidir, ao final da investigação, se ajuíza tal ação ou solicita o arquivamento dos autos.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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