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Ter futuro no presente: o direito de crianças e adolescentes e o Fundo Amazônia

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Por Angela Barbarulo e Isabella Henriques
Atualização:
Angela Barbarulo e Isabella Henriques. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Mudanças climáticas, degradação ecológica, migração de populações, conflitos, desigualdades generalizadas e práticas comerciais predatórias ameaçam a saúde e o futuro das crianças em todo o mundo. Em 2015, países, incluindo o Brasil, se comprometeram empreender todos os esforços necessários para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), mas, quase 5 anos depois, em pouco avançamos.

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Países de todo o mundo estão fracassando em proteger as crianças das ameaças à saúde causadas pelas mudanças climáticas, e em criar um ambiente saudável essencial para seu bem-estar. Segundo relatório conjunto da ONU, Unicef e a revista médica The Lancet, publicado no início deste ano: "as mudanças climáticas, a degradação ecológica, populações migrantes, conflitos, desigualdades persistentes e práticas comerciais predatórias ameaçam a saúde e o futuro de crianças em todos os países do mundo". E que "Os governos precisam formar coalizões através de vários setores para superar as pressões ecológicas e comerciais, a fim de garantir que as crianças recebam seus direitos agora e um planeta habitável nos próximos anos".

No Brasil, apesar de o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ser de todos, como estabelece o artigo 225 da Constituição Federal, e ser evidente que todas as pessoas merecem proteção contra os impactos negativos associados ao aumento do desmatamento e as mudanças climáticas, as parcelas mais vulneráveis da população, em especial crianças e adolescentes, devem ser o foco dos esforços de adaptação e mitigação dos eventos climáticos, além de ser inegável que a garantia de seus direitos pressupõe em si a proteção ao meio ambiente.

Nesse sentido, o cumprimento aos deveres de proteção da Amazônia Legal e o atendimento das metas nacionais de redução do desmatamento, viabilizados a partir do Fundo Amazônia, dentro do marco normativo legal e constitucional vigente estão em debate no Supremo Tribunal Federal. Convocada pela Ministra Rosa Weber, uma audiência pública sobre a paralisação do funcionamento do Fundo Amazônia e implementação de políticas públicas em matéria ambiental acontece nos próximos dias 23 e 26.

Estabelecido em 2008, o Fundo Amazônia tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. As aplicações dos recursos do fundo podem abranger projetos nas áreas de gestão de florestas públicas e áreas protegidas; controle, monitoramento e fiscalização ambiental; manejo florestal sustentável; atividades econômicas desenvolvidas a partir do uso sustentável da vegetação; zoneamento ecológico e econômico, ordenamento territorial e regularização fundiária; conservação e uso sustentável da biodiversidade; e recuperação de áreas desmatadas.

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Além da redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), os projetos desenvolvidos durante muitos anos foram coordenados a fim de contribuir para a obtenção de resultados significativos na implementação de seus objetivos de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável das florestas na Amazônia Legal. Gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES, que também se incumbe da captação de recursos, da contratação e do monitoramento dos projetos e ações apoiados, o Fundo conta com um Comitê Orientador (COFA), que tem a atribuição de determinar suas diretrizes e acompanhar os resultados obtidos; e com um Comitê Técnico (CTFA), nomeado pelo Ministério do Meio Ambiente, cujo papel é atestar as emissões oriundas de desmatamentos na Amazônia.

Em 2019, o CTFA e o COFA foram extintos pelo atual governo e, até a presente data, não foi definida nova governança, fato que inviabilizou a contratação de novos projetos mesmo existindo grande volume de recursos disponíveis já depositados, mas ainda não contratados. As doações, que até agora somam aproximadamente R$ 3.3 bilhões vieram em maior parte dos governos da Noruega e da Alemanha e, em menor parte, da Petrobrás.

Diante do desmonte da estrutura de governança somado ao aumento dos índices de desmatamento e queimadas, há questionamento dos doadores para o aporte de novos recursos. Segundo os números do Informe da Carteira do Fundo Amazônia, de 30 de junho de 2020], temos R$ 1.8 bilhões contratados até 2018 em 103 projetos. Se considerarmos os R$ 3.3 bilhões de depósitos realizados haveria pelo menos R$ 1,5 bilhão depositados ainda disponíveis ainda para novas contratações.

Enquanto o Fundo está paralisado, os alertas do Sistema de Detecção do Desmatamentos em Tempo Real (Deter) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registraram, em 2019, um aumento dramático de 85% da taxa de desmatamento. Entre janeiro e dezembro de 2019, um total de 9.178 km2 foram desmatados, em comparação com 4.951 no mesmo período em 2018. O desmatamento da floresta continuou em ritmo acelerado em 2020, sendo que 7.448 km2 já´ foram desmatados até agora na Amazônia Legal.

Os impactos ambientais devem ser reconhecidos como violações a uma série de direitos fundamentais assegurados, no artigo 227 da Constituição Federal, com absoluta prioridade a crianças e adolescentes, como os direitos à vida, à dignidade, à saúde, à segurança alimentar e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e a retomada dos projetos do Fundo Amazônia é uma das medidas aptas a sanar a inconstitucionalidade em matéria de políticas ambientais, reconhecendo o direito de crianças e adolescentes de ter futuro no presente.

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Não à toa, o Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU, enquanto responsável por monitorar o cumprimento da Convenção sobre os Direitos da Criança, reconhece a "obrigações dos Estados quanto aos direitos da criança a um meio ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável", o que evidencia a responsabilidade estatal em assegurar medidas capazes de mitigar ou reverter os efeitos do desmatamento na Amazônia e da emergência climática.

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Na mesma linha, a Declaração Intergovernamental sobre Crianças, Adolescentes, Jovens e Mudanças Climáticas reconhece o impacto das mudanças climáticas "considerando que crianças e adolescentes enfrentam riscos elevados e específicos devido às mudanças climáticas, que esses impactos já estão ocorrendo e que as crianças e os adolescentes mais desfavorecidos e marginalizados carregam o fardo mais pesado".

Está nas mãos do STF garantir esperança às futuras gerações, determinando a retomada dos trabalhos do Fundo Amazônia, e reconhecer que esta parcela da população, mais vulnerável, é afetada de forma desigual e desproporcional. É, portanto, fundamental que a Corte faça valer a escolha da sociedade brasileira que, em 1988, demandou o direito ao meio ambiente equilibrado e a prioridade absoluta dos direitos de crianças e adolescentes, estabelecidos nos artigos 225 e 227 da Constituição Federal.

*Angela Barbarulo é advogada e responsável pelo projeto Justiça Climática e Socioambiental do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana; Isabella Henrique é advogada e diretora executiva do Instituto Alana

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