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Tendência no Direito do Trabalho: anywhere office

Por Maria Beatriz Tilkian
Atualização:
Maria Beatriz Tilkian. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A pandemia decorrente do coronavírus inegavelmente afetou as relações de trabalho e antecipou a adoção do home office por parcela significativa das empresas. Em decorrência deste fato, vem se discutindo um modelo de trabalho inovador, o anywhere office, no qual qualquer lugar serviria como escritório - incluindo-se a prestação de serviços fora do Brasil - bastando a conexão ao ambiente digital de trabalho.

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Nesse cenário surgem dúvidas a respeito da forma de regulamentação, os limites da jornada de trabalho, o direito à desconexão e impactos na saúde física e mental do trabalhador. O primeiro passo importante para compreensão do tema é entender o conceito jurídico do home office. E a legislação não trata especificamente do home office, mas sim do conceito de teletrabalho, desde 2017, com a reforma trabalhista.

Para a lei trabalhista, considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constitua como trabalho externo.

A lei exige que essa modalidade de trabalho conste expressamente no contrato individual com as especificações das atividades do empregado. A alteração do regime presencial para o teletrabalho só pode acontecer por mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual. Já a alteração do regime de teletrabalho para o presencial pode ocorrer com a determinação exclusiva do empregador, garantido o prazo mínimo de transição de 15 dias, também com o devido registro por escrito em aditivo contratual.

Diante da natureza dessa prestação de serviços, cabe ao empregador instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho, e cabe ao empregado assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.

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Esse regime de trabalho não está sujeito ao controle de jornada, assim como os profissionais que exercem cargo de confiança ou serviço externo. No entanto, é importante que o empregador tenha ciência de que se, na prática, houver o controle de jornada, o teletrabalhador pode requerer, na Justiça do Trabalho, o pagamento das horas extras com o devido adicional, que é de, no mínimo, 50% sobre o valor da hora normal.

Já no home office, a natureza da prestação de serviços continua sendo o trabalho presencial nas dependências da empresa e não há uma legislação específica sobre o tema. O que ocorre, em termos práticos, é que algumas vezes na semana a prestação de serviços é deslocada para a casa do profissional em decorrência de uma liberalidade do empregador, com fundamento em política interna, geralmente atrelada à melhoria da qualidade de vida e à redução de custos com infraestrutura.

Com a experiência do trabalho fora das dependências do empregador durante a pandemia, na prática, alguns profissionais deslocaram o local da prestação de serviços para qualquer lugar, dentro ou fora do Brasil, e em razão do regime jurídico existente mencionado, o enquadramento correto da prestação de serviços é essencial para a observância dos requisitos formais exigidos pela lei e consequente validade da adoção do teletrabalho ou do home office, ou ainda para proteção do trabalhador transnacional.

Ao se permitir que qualquer lugar sirva como base para a prestação de serviços - anywhere office - as normas jurídicas relativas ao teletrabalho devem servir de inspiração para a regulamentação da relação entre empregado e empregador.

Diante das inúmeras especificidades que surgirão em razão de cada relação, a negociação coletiva seria uma alternativa para conferir maior segurança jurídica às regras estipuladas por cada empresa.

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Através de uma convenção ou de um acordo coletivo de trabalho, o empregador poderá regulamentar as questões relacionadas aos pontos mais complexos citados como, por exemplo, lei vigente e aplicável à prestação de serviços; o período à disposição do trabalhador e a preservação do descanso (incluindo-se o controle ou não da jornada e utilização de e-mails, whatsApp ou outros sistemas de comunicação), caracterização de períodos de sobreaviso; e o acompanhamento das condições de trabalho e monitoramento da saúde física (especialmente a observância das regras de ergonomia), e mental (em particular pontos relacionados à síndrome de Burnout).

Com a participação do sindicato, as regras estabelecidas ganham proteção constitucional e tendem a garantir maior segurança jurídica ao pactuado.

Embora o processo de uma negociação coletiva seja complexo e, por vezes, provoque mudanças culturais, é recomendável às empresas que busquem suporte jurídico para o avanço nesse tema.

*Maria Beatriz Tilkian é advogada trabalhista do escritório Gaia Silva Gaede Advogados, em São Paulo

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