PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Tempo, inimigo ou amigo da proteção do patrimônio cultural?

Por José Olímpio Ferreira Neto
Atualização:
José Olímpio Ferreira Neto. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os gregos antigos usavam duas palavras para se referirem ao tempo: chronos e kairós. Enquanto a primeira se refere ao tempo cronológico ou sequencial, a segunda indica a experiência do momento oportuno. Essas palavras também são nomes dados a deuses gregos do Olimpo.

PUBLICIDADE

Chronos é o tempo dos homens, Kairós é o tempo divino. O tempo-chronos pode favorecer ou prejudicar os acontecimentos e a existência dos objetos. Em relação à proteção do Patrimônio Cultural, é possível afirmar, em princípio, que o tempo é amigo porque quanto mais antigo o bem, mais fácil a sua proteção.

Inclusive, há leis que protegem bens de um determinado período, tais como os bens da coroa. Em outro giro, o tempo também pode ser inimigo. Por exemplo, na tramitação de processos para a proteção do bem cultural que se deseja tutelar, que em muitos casos é moroso.

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, LXXVIII, estabelece que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Em outras palavras, garante a duração razoável do processo.

Dessa forma, determina o dever da máxima celeridade na condução dos processos judiciais e administrativos para que a atuação estatal seja feita da melhor maneira.

Publicidade

A Constituição Federal, em seu artigo 216, § 1º, prevê algumas formas de proteção do Patrimônio Cultural, entre eles, o Tombamento, constitucionalizado em 1988, porém instituído pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. O Tombamento é uma forma de proteção do patrimônio cultural que recai sobre os bens materiais móveis e imóveis.

Segundo a Lei, os bens protegidos não podem ser destruídos, demolidos ou mutilados, e nem sequer reparados, pintados ou restaurados sem autorização prévia da autoridade responsável pelo ato. Para que se chegue a esse estágio de proteção é preciso que exista um processo, no entanto, logo que iniciado, o bem já se encontra protegido pelo "tombamento provisório" que tem os mesmos efeitos do definitivo, conforme o Decreto-Lei nº 25/37.

Em Fortaleza, o tombamento do Edifício São Pedro tem sido alvo de discussão. O edifício fica na Praia de Iracema e a sua edificação data da década de 1950, que marca o início da instalação hoteleira na orla marítima de Fortaleza.

No prédio funcionou o Hotel Iracema Plaza. O Ministério Público do Estado do Ceará promoveu uma Ação Civil Pública no intuito de impedir a demolição do edifício, pois se trata de patrimônio cultural da cidade de Fortaleza. Havia um tombamento provisório por meio de ato normativo municipal. Todavia, o tombamento definitivo não foi concedido, deixando assim de recair sobre o bem os efeitos da proteção. Foi alegado que a estrutura do imóvel está comprometida, não comportando reparos que satisfaçam a manutenção de seus aspectos.

Neste caso, é possível constatar que não houve uma razoável tramitação e duração do processo. Não é razoável que um feito dure o suficiente para danificar um bem cultural, pois seu objetivo deveria ser exatamente o oposto, ou seja, o de salvaguardá-lo. É notória a ilegalidade desta inércia, pois a Lei Municipal nº 9.347, de 11 de março de 2008, que trata, entre outras coisas, da proteção do Patrimônio Histórico-Cultural por meio do Tombamento, prevê em seu artigo 14 que "A Coordenação de Patrimônio Histórico-Cultural da Secretaria de Cultura de Fortaleza (SECULTFOR) instruirá o processo de tombamento, no prazo de 6 (seis) meses, com estudos necessários à apreciação do interesse cultural".

Publicidade

Em suma, a demora desarrazoada do processo, desacompanhada dos atos de proteção, comprometeu a estrutura do bem que a sociedade pensava estar protegido pelo tombamento provisório.

PUBLICIDADE

Desta forma, acabou sob a tutela de Chronos, o Deus do tempo com seu aspecto destrutivo que rege os destinos e que a tudo pode devorar. Assim, o tempo dos homens, que revelam os seus interesses, acabou por condenar o patrimônio cultural. O momento oportuno passou...

*José Olímpio Ferreira Neto, mestre em Ensino e Formação Docente. Advogado. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza (GEPDC/UNIFOR). Secretário executivo do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). Membro do Grupo de Trabalho de Patrimônio Histórico do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Ceará

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.