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Temor com eventos futuros não pode impedir direito à manifestação

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Por José Roberto Coêlho Akutsu e Fernando Gardinali
Atualização:
José Roberto Coêlho Akutsu e Fernando Gardinali. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O governador João Doria afirmou que proibiria manifestações contrárias ao presidente Jair Bolsonaro no próximo dia 7, sob o argumento de que já há atos marcados em favor do mandatário no mesmo dia e que, "por razões de segurança", apenas um dos grupos poderia se fazer presente ao manifesto.

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O Poder Judiciário logo vetou a possibilidade em ação que já tramita em uma das Varas da Fazenda Pública de São Paulo e reiterou a garantia constitucional de que não é preciso qualquer tipo de permissão prévia para manifestações (art. 5º, XVI, CF). Embora haja imposição de alternância para uso da Av. Paulista, não é lícito a qualquer autoridade pública vetar a realização de manifestação em determinado dia, ainda que possa haver limitação de local.

A decisão judicial reiterou que o direito de reunião pacífica é garantido em cláusula pétrea, imutável no ordenamento jurídico vigente. Por outro lado, tendo em vista a ciência de que dois grupos com ideias antagônicas pretendem se manifestar no mesmo dia, parece acertada a limitação para concentração na Av. Paulista, a evitar conflitos entre os grupos e observar o direito de manifestação de ambos no dia que escolheram.

Nesse contexto, fundamental ressaltar que eventuais atos ilegais por parte de manifestantes - de qualquer grupo - devem ser investigados e punidos; a legislação brasileira prevê diversas possibilidades para essas situações. Se houver alguém armado, deverá ser investigado e eventualmente condenado pelos crimes previstos na Lei 10826/03; da mesma forma, caso haja incitação ao cometimento de crimes, ameaça, lesão corporal ou crimes contra a honra (arts. 286, 147, 129 e 141 e ss., Código Penal), as autoridades públicas deverão tomar as providências devidas.

Não poderia ser diferente com os crimes contra o patrimônio: caso haja depredação de vitrines, carros ou lojas, o autor do fato deverá ser investigado e eventualmente punido pelo dano (art. 163, CP), sem prejuízo das penalidades de natureza não-criminal.

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O Estado não pode agir como se fosse possível antecipar o que vai acontecer em um ou outro ato, como numa distopia à la Minority Report. A manifestação da população sempre deve ser livre, em observância às mais elementares noções de democracia. Caso haja excesso por quem quer que seja, investigue-se e puna-se, mas não se pode chancelar a solução pueril de proibir esse ou aquele ato na tentativa de salvaguardar o futuro.

É preciso ter em mente o mesmo raciocínio que garante a livre imprensa, outro pilar indissociável do Estado Democrático de Direito: não há lugar para censura, com análise prévia sobre determinado conteúdo. Por outro lado, se depois de publicado o conteúdo for falso ou de alguma forma atingir a honra de determinada pessoa, o Poder Judiciário deverá agir para reparar eventual dano, impondo as sanções previstas na lei.

O direito de se manifestar livremente e sem autorização de quem quer que seja é uma inegável vitória democrática e é fundamental que seja garantido tanto para aqueles com quem concordamos como, principalmente, para aqueles cujas ideias não nos agradam.

*José Roberto Coêlho Akutsu, advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico pela Escola de Direito de SP da FGV e sócio do Kehdi & Vieira Advogados *Fernando Gardinali Caetano Dias, advogado criminalista, mestre em Direito Processual Penal (USP) e sócio do Kehdi & Vieira Advogados

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