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Temer chama de 'iscariotes' Joesley, Saud e Funaro, seus delatores

Ao atacar no mérito a acusação do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que lhe imputa organização criminosa e obstrução de Justiça, presidente sustenta, por meio de sua defesa levada à Câmara nesta quarta-feira, 4, que 'o processo não pode seguir por esbarrar na descrição de fatos que evidentemente não constituem crime'

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Por Julia Affonso , Fausto Macedo , Luiz Vassallo , Carla Araujo e Igor Gadelha
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Da esquerda para a direita: Joesley Batista, Ricardo Saud e Lucio Funaro. Fotos: Dida Sampaio e Helvio Romerto/Estadão Foto: Estadão

Ao atacar no mérito a segunda acusação do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que imputa organização criminosa e obstrução de Justiça ao presidente Michel Temer, a defesa sustenta, em 89 páginas entregue ao presidente da Câmara Rodrigo Pacheco (PDMB-MG) nesta quarta-feira, 4, que a denúncia 'é um amontoado de fatos havidos antes de sua chegada à Presidência, e algumas poucas menções a ocorrências posteriores a maio de 2016 (quando Temer assumiu o cargo)'.

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"Ocorre que todas circunstâncias (anteriores e posteriores a maio de 2016) integram um crime único, permanente, que, embora possa, em tese estapafúrdia e mal intencionada, ter apresentado evidências de existência depois de 2016, não seriam estas bastantes para configurar o crime definido no artigo 1.º, parágrafo 1.º, da Lei 12.850/2013 (organização criminosa), a não ser que se vislumbre o que teria acontecido antes da assunção da presidência por Michel Temer", assinalam os criminalistas, em um texto carregado de ironias e ataques sem precedentes a Janot, aprovado previamente pelo próprio Temer.

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A defesa diz que 'não há como prosperar a denúncia, razão pela qual requer a essa Câmara dos Deputados que negue autorização ao prosseguimento do processo até que se encerre o mandato (presidencial)'.

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Na acusação - sua segunda flechada contra Temer; a primeira, por corrupção passiva, foi barrada pela Câmara -, Janot inclui também os ex-presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ, preso desde outubro de 2016 na cadeia da Lava Jato) e Henrique Eduardo Alves (preso na Operação Manus), o ex-ministro Geddel Vieira Lima (preso por suspeita de guardar fortuna de R$ 51 milhões em dinheiro vivo em Salvador), o ex-assessor especial do presidente, Rodrigo Rocha Loures (filmado pela Polícia Federal carregando a mala de R$ 500 mil em propinas da JBS) e os ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha.

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Janot afirmou. "Desde meados de 2006 até os dias atuais, Michel Temer, Eduardo Cunha, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Rodrigo Loures, Moreira Franco e Eliseu Padilha, na qualidade de membros do PMDB, com vontade livre e consciente, de forma estável, profissionalizada, preordenada, com estrutura definida e com repartição de tarefas, agregaram-se ao núcleo político de organização criminosa para o cometimento de uma miríade de delitos, em especial contra a administração pública, inclusive a Câmara dos Deputados."

A defesa de Temer no ataque. "Ao afirmar que a organização criminosa nasceu em 2006, a denúncia está dizendo que ela se estruturou, se organizou, dividiu tarefas entre pelo menos quatro membros, tudo a partir de seu nascimento, circunstâncias que se modificam, mas não se renovam a cada ano, mês ou dia, até porque se assim fosse não se estaria diante de organização criminosa por ausência de estabilidade", destaca a defesa.

"Eis que a imputação de organização criminosa formulada contra o atual presidente da República versa inegavelmente sobre fatos anteriores à posse de Michel Temer em maio de 2016, sendo certo que a Constituição da República estabelece que o presidente somente responde por crime comum quando o fato imputado tenha relação com o exercício da Presidência."

À página 67, os advogados de Temer invocam o ex-procurador-geral da República Geraldo Brindeiro (1995/2003/Governo FHC), segundo o qual 'o presidente da República, na vigência do mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções, conforme estabelece o artigo 86, parágrafo 4.º, da Constituição'.

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"Evidentemente, a expressão atos estranhos diz respeito a crimes comuns e não a crimes de responsabilidade que, por definição, somente podem ser praticados no exercício do mandato", assinala Brindeiro.

A defesa afirma. "A imputação de organização criminosa formulada contra o atual presidente da República versa inegavelmente sobre fatos anteriores à posse de Michel Temer em maio de 2016, sendo certo que a Constituição da República estabelece que o Presidente somente responde por crime comum quando o fato imputado tenha relação com o exercício da Presidência."

No capítulo em que buscam derrubar a acusação por obstrução de Justiça, os defensores do presidente partem para cima do empresário Joesley Batista, da JBS, do executivo Ricardo Saud, da J&F, e do doleiro Lúcio Funaro, todos delatores de Temer.

Os advogados do presidente os chamam de 'iscariotes', referência expressa a Judas, um dos 12 apóstolos que, de acordo com os evangelhos canônicos, foi o traidor que entregou Jesus a seus carrascos.

"Não é demais registrar, antes de demonstrar a atipia das condutas atribuídas ao presidente que configurariam o crime de obstrução a investigações na fantasia acusatória, que as imprecações formuladas vieram alicerçadas, no que se refere a Michel Temer, exclusivamente nas delações de Joesley, Saud e Funaro. Trata-se de acusações vazias, insuficientes a amparar a instauração de processo contra o presidente. De qualquer forma, ainda que as palavras dos 'iscariotes' tivessem alguma valia, o processo não poderia seguir por esbarrar na descrição de fatos que evidentemente não constituem crime."

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Na acusação, Janot diz que Temer, 'com vontade livre e consciente, instigou Joesley Batista a pagar, por meio de Ricardo Saud, vantagens indevidas a Lúcio Funaro, com a finalidade de impedi-lo de firmar acordo de colaboração'. Com essa conduta, o presidente, Joesley e Saud, segundo o ex-procurador-geral, 'embaraçaram as investigações de infrações praticadas pela organização criminosa'.

A defesa observa que, ao detalhar em que constituiria a conduta do presidente, o ex-procurador- geral sustenta que Temer 'teria instigado uma ideia que já preexistia em Joesley'.

"Segundo a denúncia, as ideias de Joesley já tinham se transformado em condutas, pois a inicial fala em pagamentos anteriores. Note-se que a peça acusatória não cobra do presidente que determinasse a J oesley que interrompesse pagamentos, mas pretende vê-lo processado por instigar o que já acontecia independentemente de sua vontade", ressaltam Eduardo Carnelós e Roberto Garcia, fazendo referência ao artigo 13 do Código Penal.

Tal norma dispõe sobre a 'relação de causalidade', ou seja, o resultado de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. "Sem resultado não há crime; se a conduta não contribuiu com o resultado, tem-se fato atípico."

"Ora, se a ideia de Joesley era preexistente, com pagamentos havidos antes da imaginada intervenção do presidente, a conduta imputada a Michel Temer constitui irrelevante penal. O pagamento pelo silêncio de Funaro antecede e independe da alegada instigação, o que, com fundamento no artigo 13 do Código Penal, faz da participação imputada ao presidente fato atípico", afirma a defesa.

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"Como se demonstrou, não há descrição de conduta atribuída a Michel Temer que possa configurar obstrução às investigações, sendo inviável, por isso, a instauração de processo crime; merecendo rejeição sumária a denúncia formulada, o presidente espera que seja negada a autorização postulada pelo Supremo Tribunal Federal", pedem os advogados do peemedebista.

Os defensores afirmam que 'é absolutamente impossível comprovar a existência de organização criminosa depois de maio de 2016, quando Michel Temer chegou à Presidência, sem atentar para os fatos anteriores que comprovariam a existência da associação desde 2006'.

"Não há como fugir da circunstância de que a narrativa relacionada à imputação de organização criminosa é una e assim deve ser apreciada por essa Casa Legislativa, o que, por impossibilidade de fatiá-la, deverá levar à suspensão do processo até que se encerre o mandato do presidente Michel Temer, como determina o artigo 86, parágrafo 4.º da Constituição", segue a defesa.

À página 76 da peça, a defesa aborda a 'pretendida responsabilização de Michel Temer'.

"Baseadas em delações ofuscantemente mentirosas, as acusações interessadas e interesseiras contra Michel Temer se apresentaram com inviabilidade jurídica autoevidente; a análise dos autos permite afirmar que o único liame entre o presidente e os desvios imputados é a circunstância de que ele é um líder político proeminente, que hoje ocupa a Presidência da República, depois de ter sido secretário de Segurança Pública do Governo de São Paulo, constituinte, deputado federal, presidente dessa Casa por duas vezes, além de presidente nacional do PMDB", segue a defesa.

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Os advogados citam uma decisão do Supremo que acolheu habeas corpus de um ex-presidente da Petrobrás e enterrou acusação do Ministério Público por crime ambiental.

"Diante da incontestável imensidão de pessoas, estruturas, engrenagens administrativas e instâncias diversas de controle, comandadas ontem e hoje pelo presidente Temer, conjugada à imputação criminal sem que se possa ligar, por prova minimamente convincente, conduta a ele atribuível a crime (alegadamente) praticado, aos subscritores da presente ocorreu a lembrança de imputação de crime ambiental a presidente de empresa gigante, atuante em diversas áreas, com operação em todo o território nacional, consistente em vazamento havido em tubo componente de estrutura constituída por 14 mil quilômetros de oleoduto. Nossa Suprema Corte enterrou a pretensão acusatória:"

"Guardadas as devidas proporções e diferenças de circunstâncias, está o presidente Temer para o então presidente da Petrobrás, como os fatos referidos na denúncia estão para o defeito num trecho do oleoduto: independentemente da materialidade penal do defeito constatado, fato é que não se pode responsabilizar o presidente por ele."

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