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Teles podem cancelar serviços de inadimplentes em meio à pandemia?

Por Felipe Esbroglio de Barros Lima e Maria Eugênia Panozzo Surdo
Atualização:
Felipe Esbroglio de Barros Lima e Maria Eugênia Panozzo Surdo. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A crise provocada pelo avanço da covid-19 tem resultado na adoção de uma série de medidas, por parte de diversos órgãos governamentais, a fim de reduzir o endividamento de cidadãos e empresas e, concomitantemente, garantir a manutenção dos "serviços de telecomunicações e internet", além de outras atividades de natureza essencial, elencadas no Decreto Presidencial nº 10.282/2020.

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A nível federal, tramitam no Senado e na Câmara dos Deputados, respectivamente, os PLs 783/2020 e 703/2020, que propõem a proibição do corte de fornecimento de serviços e atividades essenciais, enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Congresso Nacional.

Propostas semelhantes estão em tramitação nas assembleias legislativas da quase totalidade dos estados brasileiros, sobre as quais, cumpre referir desde logo, pende evidente inconstitucionalidade, pois esbarram nos limites de competência legislativa previstos no art. 22, inc. IV, da Constituição Federal, conforme já reconhecido em decisão do Tribunal de Justiça do Pará, que suspendeu os efeitos de decreto estadual por este fundamento, em relação aos serviços de telecomunicações.

No âmbito do Poder Judiciário, decisões proferidas pela 12ª Vara Cível Federal de São Paulo e 15ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de Porto Alegre, vedavam a interrupção do fornecimento dos serviços a consumidores pessoas físicas por inadimplência, enquanto perdurasse a pandemia. Ambas, no entanto, foram reformadas pelos respectivos juízos de segundo grau, para alívio das prestadoras, já que os pagamentos realizados por parte dos usuários são a sua principal forma de custeio.

As decisões do Tribunal de Justiça do RS e do TRF-3 asseveraram que as operadoras de telefonia são empresas privadas concessionárias de serviço público, não podendo dar continuidade às suas operações sem a devida contraprestação, de modo que a suspensão do pagamento pelos consumidores acarretaria sérias consequências econômicas, comprometendo, potencialmente, o fornecimento dos serviços de telecomunicação em todo o território nacional, o que seria especialmente temerário no presente momento. Chamou-se a atenção, ainda, para a repercussão negativa que a manutenção dos efeitos da decisão teria aos cofres públicos, prejudicando a arrecadação dos tributos incidentes diretamente nas faturas desses serviços.

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Para além dos fundamentos das decisões já referidas, há que se destacar que nenhuma das medidas propostas estabelece qualquer critério razoável de distinção quanto à capacidade financeira dos usuários e das próprias prestadoras, ou exigência de tentativa prévia de negociação, o que abre margem para que a pandemia seja utilizada como justificativa genérica para o inadimplemento em larga escala, sendo também questionável a constitucionalidade sob esse aspecto.

Mesmo do ponto de vista do consumidor, o inadimplemento massivo seria muito prejudicial: tais medidas, ainda que bem-intencionadas, causariam inegável desequilíbrio na relação contratual e, consequentemente, tornariam ineficiente qualquer alocação de recursos na atividade, cuja execução importaria em nada mais que prejuízos, tendendo a precarização do serviço e aumento de tarifas - além de outras consequências nocivas ao mercado de telecomunicações -, em flagrante violação ao art. 3º, §8º, da Lei 13.979/2020.

Ressalta-se, por fim, a inexistência, nas propostas e decisões, de diferenciação da prestação de serviços de telecomunicações em regime público (concessão) e privado (autorização), sendo imputáveis somente àquelas as obrigações de universalização e continuidade do serviço (art. 63, §único, LGT).

Feitas essas considerações, é evidente que há de se sopesar os interesses das operadoras e dos consumidores, situação que criou o impasse atual. Propõe-se, assim, como uma solução salomônica, o subsídio - total ou parcial - das tarifas de serviços essenciais pelo poder público - como já ocorre em relação aos serviços de transporte público, por exemplo -, que inclusive pode tomar diversas formas, tais como o repasse diretamente às operadoras, redução de impostos incidentes sobre as tarifas e programas assistenciais direcionados aos mais necessitados.

*Felipe Esbroglio de Barros Lima é advogado de Contencioso do escritório Silveiro Advogados; Maria Eugênia Panozzo Surdo é estagiária da área

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