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Tapando o sol com a peneira

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Por Renata Mendes
Atualização:
Renata Mendes. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A promessa de incluir o Brasil entre os 50 melhores países do mundo para se fazer negócios no ranking Doing Business, do Banco Mundial, foi feita pelo presidente Bolsonaro em Davos, durante o primeiro mês do seu governo. Atualmente, o país está na 124a posição no ranking, dentre 190 países avaliados. Desde a promessa feita em 2019, o governo editou algumas medidas com essa finalidade:  a medida provisória 876, a Lei da Liberdade Econômica, a Nova Lei de Falências e a MP do Ambiente de Negócios, apresentada no último dia 29 de março.

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Essas medidas são importantes para tornar as regras no país mais simples e transparentes para empreendedores e investidores. No entanto, quando se trata da melhoria efetiva do ambiente de negócios e da posição do Brasil no ranking Doing Business, seguimos sem endereçar o principal problema enfrentado por quem faz negócios no país: a dificuldade de pagar impostos. Este é, de longe, o nosso pior desempenho no ranking do Banco Mundial, em que figuramos na 184ª posição dentre 190 países - entre Congo (183º) e Guiné (185º).

O principal responsável por esse resultado é o injusto e ineficiente sistema de  tributação sobre o consumo no Brasil.  Isso fica evidente com o desempenho do país no indicador de horas gastas para o pagamento de tributos, uma das quatro dimensões tributárias avaliadas pelo Doing Business e que mensura a complexidade de um sistema tributário. O estudo estima que as empresas brasileiras gastam 1.501 horas por ano para apurar e pagar seus tributos - número quase cinco vezes superior à média da América Latina (317,1 horas/ano) e dez vezes superior à média da OCDE (158,8 horas/ano). Dessas 1.501 horas, 885 são dedicadas exclusivamente ao pagamento de tributos que incidem sobre o consumo (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS).

Uma reforma tributária do consumo, que seja ampla (abrangendo tributos municipais, estaduais e federais) tem o poder de reduzir esse número em 600 horas, ou seja, 68% de redução no custo de compliance das empresas, como mostrou uma pesquisa da Endeavor e EY.

Além de demandar das empresas tempo e recursos que poderiam ser investidos em geração de empregos ou melhoria de produtos e serviços, a complexidade tributária tem outras consequências negativas. Gera distorções alocativas, fazendo com que 80% das empresas defina sua malha logística de acordo com aspectos tributários, segundo o consultor Alexandre Lobo, da ILOS. E, ainda, uma grande insegurança jurídica, que se reflete em enormes disputas entre o fisco e os contribuintes - o chamado litígio tributário, que equivale hoje a R$5 trilhões ou 73% do nosso PIB, de acordo com estudo recente de pesquisadores do Insper. Se queremos melhorar o ambiente de negócios brasileiro, a reforma tributária deve ser prioridade.

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Mas os impactos positivos da reforma tributária não se restringem à melhoria do ambiente de negócios. Ela tem capacidade de diminuir as desigualdades territoriais no Brasil, reduzindo de 270 vezes para seis vezes a diferença da maior e a menor arrecadação per capita entre estados e municípios, de acordo com análise de Orair e Gobetti, do IPEA. Também irá reduzir a regressividade do nosso sistema tributário, ao implementar mecanismo de devolução dos tributos para pessoas de menor renda, que, nos moldes do Bolsa Família, pode ser 12 vezes mais efetivo para chegar a quem precisa do que as isenções hoje vigentes sobre produtos básicos, segundo estudo do Ministério da Fazenda de 2017.

Especialmente no grave contexto que vivemos, com elevado número de mortes em decorrência da Covid-19, alto desemprego, crescimento das desigualdades e da população em extrema pobreza, além da baixa perspectiva de crescimento econômico no país, temos que nos desafiar a fazer as mudanças que vão ser efetivas para lidar com nossos problemas - que vão bem além do ranking do Banco Mundial.

O caminho para aprovação de uma reforma não é simples, mas tivemos avanços importantes nos últimos anos, como o amadurecimento das propostas de reforma, as discussões com entes federativos e entidades setoriais, e, mais recentemente, com o envolvimento de organizações da sociedade civil nessa pauta. Desviar esforços do governo e dos parlamentares para priorização de outras medidas de melhoria do ambiente de negócios, negligenciando a urgência e potencial de impacto da reforma tributária, é, infelizmente, tapar o sol com a peneira.

*Renata Mendes é mestre em Ciência Política e porta-voz do Para Ser Justo, movimento em defesa da aprovação  da reforma tributária

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