Advogados ouvidos pelo Estadão afirmam que o Supremo Tribunal Federal tende a dar efeito retroativo na decisão que acolhe habeas de ex-gerente da Petrobrás Márcio de Almeida anula sua sentença na Operação Lava Jato. Isso quer dizer que outros casos semelhantes já julgados poderão ser anulados.
A questão principal do julgamento é se réus em ações penais devem ter prazo maior do que os acusados colaboradores para apresentarem alegações finais. Nesta quinta, 26, o Supremo formou maioria para o entendimento de que os delatores devem entregar o derradeiro memorial antes.
Criminalistas e constitucionalistas ouvidos pelo Estado, parte deles defensora de réus da Lava Jato, apoiam a decisão. Os advogados dizem que é preciso, no entanto, aguardar a possibilidade de modulação de efeitos, decisiva para as sentenças da Lava Jato, a ser definida na próxima quarta, 2, em julgamento do plenário da Corte.
Os ministros vão decidir se o habeas terá efeito retroativo, ou seja, se as sentenças já julgadas poderão ser anuladas. Além do caso de Márcio de Almeida, vale lembrar que a Segunda Turma do STF já anulou também, pelo mesmo motivo, a condenação do ex-presidente da Petrobrás, Aldemir Bendine.
Veja o que dizem os advogados:
Vera Chemim, advogada constitucionalista, mestre em direito público administrativo pela FGV
A decisão da Corte em âmbito de Habeas Corpus deverá valer para todos os casos concretos em que os réus delatados não tiveram a oportunidade de apresentar as suas alegações finais após as dos réus delatores. Isso implica no retorno dos autos à fase de alegações finais, para que sejam reiniciados e novamente julgados. Prevaleceu a tese da superioridade dos Princípios Constitucionais relativamente às normas da legislação processual penal e da Lei nº 12.850/2013 - Lei que disciplina a formação de organizações criminosas e prevê o Acordo de Colaboração Premiada, objeto de contestação daquele HC, no que se refere à defesa de réus delatores e réus delatados. A partir do momento em que se acolheram os princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, como pressupostos para a acolhida da tese defendida pelo HC, a Corte criou uma nova jurisprudência, uma vez que a legislação existente não prevê a possibilidade de prazos "sucessivos" para réus delatados e por esta razão, não os diferencia dos réus delatores. Independentemente da supremacia dos Princípios Constitucionais relativamente às normas legais, depreende-se que aquela decisão constitui um ativismo judicial, em razão de a legislação não conter uma "lacuna" que poderia servir de fundamentação para a criação da nova jurisprudência acerca do presente tema. Resta aguardar o término do julgamento, com os votos de Dias Toffoli e Marco Aurélio e a definição da tese, além do debate sobre a provável "modulação dos efeitos", isto é, se a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) ou daqui para a frente (ex nunc). Tratando-se de uma decisão em sede de Habeas Corpus, a tendência é que tenha efeito retroativo, até porque, uma decisão contrária dependerá de 8 (oito) votos dos Ministros daquele tribunal.
Rodolfo Roberto Prado, professor em direito constitucional e advogado atuante na área penal econômica e direito constitucional
A Constituição Federal prevê no inciso LV do artigo 5º da Constituição, que por sinal tal artigo é considerado cláusula Pétrea, o princípio do contraditório e ampla defesa. Isso é muito comum no dia a dia, tanto que sempre quem acusa é o primeiro a lançar seu argumento e a defesa a última a se manifestar, tudo isso baseado no princípio da ampla defesa que se encontra em nossa Carta Magna. A decisão de hoje do STF esclarece pontos nebulosos que existiam a partir da lei 12.850, tendo sido um marco já que a figura do delator é um instituto novo. Trata-se de um marco onde se discute a importância do delator. Vale lembrar que a discussão gira em torno do Habeas Corpus de um réu que não é delator. Na sessão de hoje o STF avaliou um caso concreto e também começou a decidir uma tese a ser aplicada em demais casos. Entretanto, ainda não sabemos os rumos que serão tomados, já que o STF pode modular os efeitos, mas mostra que o Estado Democrático de Direito se encontra presente e que no dia a dia a ausência de norma específica deverá prevalecer o princípio do contraditório e da ampla defesa.
O que é esperado, como se trata de uma fixação de tese relacionada a habeas corpus e a um direito fundamental, é que o Supremo forme maioria para não modular os efeitos, tendo a decisão efeito imediato. Vale lembrar que para modulação se faz necessário formar quórum, mas pode ocorrer que não exista modulação e exista uma restrição para que se anule somente as sentenças dos réus que arguiram o cerceamento de defesa.
Conrado Gontijo, criminalista, doutor em direito penal e econômico pela USP "O Supremo Tribunal Federal, no julgamento de hoje, forma maioria para dar maior efetividade a um dos mais importantes direitos que devem ser assegurados nos regimes democráticos: o direito à ampla defesa. Uma das exigências mais elementares, do ponto de vista lógico, para que alguém acusado da prática de um crime possa realmente se defender, é que essa pessoa tenha condições de se manifestar ao final do processo, depois de conhecer na totalidade as acusações que recaem sobre ela. Se os delatores assumem compromissos com o Ministério Público (órgão acusador) e funcionam como seus auxiliares, devem ser ouvidos e se manifestar sempre antes dos acusados que não assinaram acordos de colaboração premiada. Somente assim haverá respeito efeito à ampla defesa. A maioria formada no julgamento de hoje evidência o absoluto zelo do Supremo para com a Constituição Federal, em especial, para com o direito à ampla defesa: o acusado que se defende (o que não ocorre com os delatores, que também acusam), deve sempre falar e se manifestar por último".
Daniel Gerber, criminalista e mestre em Direito Penal e Processual Penal "Decisão correta, adequando os avanços da lei ordinária aos comandos constitucionais".
Adib Abdouni, constitucionalista e criminalista "A decisão tomada pela maioria do Plenário do STF restaura a ordem constitucional vigente, a repelir a perigosa supressão da garantia do efetivo exercício do contraditório, haja vista que a abertura de prazo simultâneo para a apresentação de alegações finais sem distinção entre delatores e delatados resulta mesmo em grave prejuízo jurídico processual ao réu preterido, posto que presente incontornável carga acusatória no conteúdo das colaborações premiadas levadas a efeito por determinados réus em desfavor de outros. A divergência vencedora inaugurada pelo Ministro Alexandre Moraes desfez o constrangimento ilegal imposto aos réus cuja defesa fora maculada por eiva insanável no curso processual, observando-se que o fundamento contido na tese vencida -ausência de lei ou regra penal específica a regular a matéria - não tem o condão de inibir o magistrado de dirimir a controvérsia com base em preceitos constitucionais de garantia elementar de qualquer pessoa. O alcance da decisão a beneficiar os demais réus em igualdade de condições jurídico-processuais em nada se confunde com qualquer oposição, desprestígio ou embaraço aos bem feitos obtidos com a operação Lava Jato, refletindo, ao revés, que o STF ainda continua sendo o último refúgio de justiça do cidadão, seja ele quem for, a reafirmar, de forma contundente, a necessária observância da aplicação dos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa no âmbito da persecução penal".
Daniel Bialski, criminalista especializado em Direito Penal e Processual Penal, destaca que todos os processos em que delatores apresentaram alegações ao mesmo tempo que os acusados poderão ser anulados. Para ele, a ampla defesa do contraditório é "princípio sagrado da Constituição". Ele concorda que os delatores devem se manifestar antes da defesa dos acusados delatados. "Isso, justamente, para que tenham a oportunidade de rebater o que esses delatores mencionaram, seja em interrogatórios ou em alegações finais", ressalta.
Marcelo Leal, criminalista
A decisão do STF é um marco no respeito às garantias individuais, em especial do devido processo legal. O colaborador, como o próprio nome indica, coopera com a Acusação e tem interesse no seu sucesso para garantir os benefícios negociados. Daí porque a defesa, para ser ampla e não meramente cosmética, deve ter o direito de conhecer os termos de suas alegações finais antes de se manifestar nos autos.
Jorge Nemr, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados
"A decisão do STF deve ser vista como um balizador de princípios. Garantir o direito à ampla defesa não é um formalismo, mas o respeito à Constituição. O contrário seria rasga-la em prejuízo à democracia e ao Estado de Direito".