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Supremo retoma julgamento sobre regulamentação da imunidade de entidades beneficentes

Por João Paulo Amaral Rodrigues
Atualização:
João Paulo Amaral Rodrigues. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Nesta quinta-feira, 4, o Supremo Tribunal Federal retomará o julgamento sobre matéria tributária de grande importância para o Terceiro Setor. Trata-se da regulamentação da imunidade relativa às contribuições para financiamento da Seguridade Social - chamadas de contribuições sociais - a que fazem jus as entidades beneficentes que atuam nas áreas de educação, saúde e assistência social. Serão analisados embargos de declaração nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIns) n.ºs 2.028, 2036, 2.228 e 2.621, e no Recurso Extraordinário (RE) com Repercussão Geral n.º 566.622, processos pelos quais o Supremo busca definir se os requisitos para gozo da imunidade prevista no art. 195, §7 º, da Constituição Federal de 88 (CF), devem ser fixados ou por lei ordinária ou mediante lei complementar.

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Tal imbróglio nasceu da equivocada interpretação do dispositivo constitucional, o qual prevê que "são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei". Em que pese a norma tratar aparentemente de isenção e utilizar-se da expressão genérica "em lei" - o que remeteria à legislação ordinária - tem-se ali típico caso de imunidade, única modalidade de desoneração tributária estipulada pela CF, como há muito já sacramentou o STF. E como tal, sua regulamentação deveria ocorrer necessariamente por lei complementar, como cristalinamente determina o art. 146, inc. II, da Lei Maior.

Porém, desde a promulgação da Carta Magna, órgãos dos Poderes Legislativo e do Executivo editaram inúmeras normas que invadiram a reserva de lei complementar para fixar exigências absolutamente inconstitucionais à fruição desta imunidade, à exemplo do que fez o art. 55, da Lei n.º 8.212/91, e sua sucessora, a Lei n.º 12.101/09.

A distorção do que previu o texto constitucional gerou inúmeras perdas às instituições sem fins lucrativos, especialmente àquelas que não atenderam as exigências contidas nas inconstitucionais leis ordinárias. Estas se viram obrigadas a recolher as contribuições quando, à luz do que previa o art. 14, do Código Tributário Nacional (CTN) - lei complementar - já cumpriam os requisitos para serem imunes. Por consequência, deixaram de aplicar esses valores na oferta e na melhoria de serviços essenciais à população vulnerável, habitualmente desemparada pela ineficiência estatal e que, muitas vezes, encontra seu único socorro nessas organizações sociais. Para se ter uma ideia da importância do Setor, pesquisa do Fórum Nacional das Instituições Filantrópicas (FONIF) aponta que cerca de 2,2 milhões de alunos são contemplados com bolsas de estudo nas instituições de educação filantrópicas, enquanto que 53% de todos os atendimentos de saúde feitos pelo SUS são realizados por hospitais beneficentes.

A celeuma foi trazida à análise do Supremo há cerca de 20 anos, mas incrivelmente só em 2017 uma definição se apresentou no horizonte. A Corte, por maioria, reconheceu caber ao art. 14, do CTN, definir requisitos ao gozo da imunidade tributária e declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos de lei ordinária que invadiram a competência da lei complementar. De tal julgamento resultou a edição de norma interna - Tema de Repercussão Geral - que obriga a todos os tribunais do país a adotarem o entendimento supra em casos idênticos.

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Porém, o que era para ser uma solução definitiva, acabou por prolongar a insegurança jurídica decorrente dessa confusão hermenêutica. Por um equívoco ocorrido na coleta dos votos escritos dos ministros da Corte, os acórdãos da ADIns foram lavrados como se vencedor fosse o voto divergente do saudoso min. Teori Zavascki, que defendeu ser possível à lei ordinária criar procedimentos para a certificação, fiscalização e controle das entidades de assistência social.

Resultado: centenas de decisões conflitantes nos tribunais do País, nos quais magistrados da mesma Corte - inclusive do próprio Supremo - ora acataram o Tema de Repercussão Geral que define que todo e qualquer requisito para imunidade deve ser previsto em lei complementar, ora replicaram a deturpada tese de que a lei ordinária poderá estabelecer requisitos procedimentais para o gozo da benesse. E assim, inúmeras instituições continuaram a ser indevidamente cobradas quanto ao recolhimento das contribuições sociais pelo Fisco.

A expectativa é que os embargos manejados nas ADIns promovam a adequação dos acórdãos aos votos efetivamente prolatados na sessão de julgamento e registrados nas notas taquigráficas, para uniformizarem o entendimento sobre a matéria e assim darem, de vez, a necessária segurança jurídica que há mais de duas décadas o Setor espera.

Porém, também está pautada a análise de embargos de declaração no RE, pelos quais a Fazenda Nacional pede a modulação dos efeitos da inconstitucionalidade declarada pelo Supremo. Na prática, tenta o Fisco se exigir da obrigação de ressarcir todas as instituições que indevidamente recolheram contribuições sociais nos últimos anos, sob a alegação de que a desoneração advinda deste julgamento impactará os cofres públicos. Esquece-se, porém, que o trabalho desenvolvido por essas instituições é substancialmente destinado à população hipossuficiente que não encontra nos hospitais, nas escolas e na assistência social públicos, atendimento condizente com os direitos sociais assegurados pela CF.

Mesmo assim, insiste em ter uma visão míope e exclusivamente arrecadatória, deixando de reconhecer que tais valores seriam utilizados com maior eficiência por essas instituições do que pelo próprio Estado. Só nos resta torcer para que o Supremo tenha uma visão constitucional - e mais humanitária - do que a administração pública.

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*João Paulo Amaral Rodrigues, sócio do Sarubbi Cysneiros Advogados Associados, advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec)

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