PUBLICIDADE

Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Supremo começa a julgar 'direito ao esquecimento' em meio a embate sobre liberdade de informação

Corte discute se uma pessoa pode proibir a exibição ou publicação de um fato ou acontecimento antigo, ainda que verdadeiro, para preservar a intimidade; ministro Dias Toffoli iniciou o voto e deverá concluir posicionamento nesta quinta, 4

Por Paulo Roberto Netto
Atualização:

O Supremo Tribunal Federal iniciou nesta quarta, 3, julgamento que determinará se existe no País o chamado 'direito ao esquecimento', no qual uma pessoa poderia proibir a exibição ou publicação de um fato ou acontecimento antigo, ainda que verdadeiro, para preservar a sua intimidade. O caso tem repercussão geral e poderá criar precedentes em relação à liberdade de acesso à informação e à atividade da imprensa, além de modular as decisões judiciais sobre o assunto em todo o País.

PUBLICIDADE

O ministro Dias Toffoli, relator do caso, iniciou a leitura de seu voto, mas deixou a conclusão para a sessão desta quinta, 4. Durante a sua fala, Toffoli fez uma avaliação histórica sobre o tema e não indicou seu posicionamento.

A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o reconhecimento do direito ao esquecimento. "Se o que hoje é livre de se dizer, o tempo passará e essa liberdade caducará? Como se ela tivesse prazo de validade em uma sociedade livre e democrática?", questionou o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros. "Mudar a verdade, mudar a realidade é assaz delicado, assaz perigoso. O direito de impor o silêncio sobre o já ocorrido é extremamente violento e de difícil controle".

O caso concreto envolve a ação movida pela família de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O crime foi amplamente noticiado à época e, em 2004, o programa 'Linha Direta', da TV Globo, reconstituiu os acontecimentos. Inicialmente, a família de Curi solicitou que o episódio não fosse ao ar e, após a sua exibição, acionou a Justiça em busca de indenizações e pelo 'direito ao esquecimento' do caso.

O debate, porém, esbarra na liberdade de expressão, direito à informação e à atividade da imprensa. Organizações que discutem estes temas se manifestaram no Supremo pelo risco de que o direito ao esquecimento, uma vez reconhecido, seja usado por políticos e figuras públicas do Poder para retirar conteúdos negativos sobre suas carreiras do ar por meio de ações judiciais.

Publicidade

"Caso o direito ao esquecimento seja reconhecido, a decisão irá beneficiar as pessoas que tentam esconder informação da população", afirmou a advogada Taís Gasparian, que falou em nome da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Brasília, em fevereiro deste ano. Foto: Nelson Jr./SCO/STF

O advogado que representa a família Curi, Roberto Algranti Filho, afirmou que o programa sobre o caso Aída Curi foi 'muito pouco cuidadoso' e que a família teria o direito de não ter o crime relembrado sob risco de causar 'perpetuação de uma dor'. Segundo ele, o argumento de que o reconhecimento do direito ao esquecimento não atingiria a atividade da imprensa não se sustentaria.

"Refuto o argumento baseado de que políticos tentarão apagar seus malfeitos. Eles poderão até tentar, mas dificilmente conseguirão o direito ao esquecimento dada a relevância social e política do controle das atividades políticas por parte da imprensa", frisou.

O advogado Gustavo Binenbojm, que representou a Globo, afirmou ao Supremo que o reconhecimento do direito ao esquecimento equivaleria a uma 'amnésia coletiva'. "A Constituição prevê a liberdade de informar e de ser informado, independente de censura ou licença de quem quer que seja, de vítimas ou algozes, de autoridades públicas ou de pessoas privadas", afirmou.

A sessão será retomada nesta quinta, 4, com o voto de Toffoli e dos demais ministros da Corte. O ministro Luís Roberto Barroso já se declarou suspeito e não se manifestará no caso. O ministro Marco Aurélio Mello, que está internado após passar por uma cirurgia no ombro, também não deverá participar da sessão desta quinta.

Publicidade

Entidades de direito defenderam o esquecimento. Durante o julgamento, entidades de direito defenderam o reconhecimento do 'direito ao esquecimento' no Brasil. Segundo Anderson Schreiber, do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), a ausência de uma decisão do Supremo deixaria o direito à privacidade 'sem qualquer proteção'.

O advogado deu como exemplo o caso de pessoas que são denunciadas e, no final do processo, inocentadas e absolvidas pela Justiça. Segundo Schereiber, o reconhecimento do esquecimento não significaria a supressão de informações ou registros históricos, mas sim garantir, em alguns casos, a atualização de informações.

O ex-ministro José Eduardo Cardozo, que falou pelo Pluris - Instituto de Direito Partidário e Político, também defendeu o reconhecimento do direito ao esquecimento como 'fins de demarcação do que pode ou não ser feito em um Estado Democrático de Direito'.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.