O Supremo Tribunal Federal iniciou nesta quarta, 3, julgamento que determinará se existe no País o chamado 'direito ao esquecimento', no qual uma pessoa poderia proibir a exibição ou publicação de um fato ou acontecimento antigo, ainda que verdadeiro, para preservar a sua intimidade. O caso tem repercussão geral e poderá criar precedentes em relação à liberdade de acesso à informação e à atividade da imprensa, além de modular as decisões judiciais sobre o assunto em todo o País.
O ministro Dias Toffoli, relator do caso, iniciou a leitura de seu voto, mas deixou a conclusão para a sessão desta quinta, 4. Durante a sua fala, Toffoli fez uma avaliação histórica sobre o tema e não indicou seu posicionamento.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o reconhecimento do direito ao esquecimento. "Se o que hoje é livre de se dizer, o tempo passará e essa liberdade caducará? Como se ela tivesse prazo de validade em uma sociedade livre e democrática?", questionou o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros. "Mudar a verdade, mudar a realidade é assaz delicado, assaz perigoso. O direito de impor o silêncio sobre o já ocorrido é extremamente violento e de difícil controle".
O caso concreto envolve a ação movida pela família de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O crime foi amplamente noticiado à época e, em 2004, o programa 'Linha Direta', da TV Globo, reconstituiu os acontecimentos. Inicialmente, a família de Curi solicitou que o episódio não fosse ao ar e, após a sua exibição, acionou a Justiça em busca de indenizações e pelo 'direito ao esquecimento' do caso.
O debate, porém, esbarra na liberdade de expressão, direito à informação e à atividade da imprensa. Organizações que discutem estes temas se manifestaram no Supremo pelo risco de que o direito ao esquecimento, uma vez reconhecido, seja usado por políticos e figuras públicas do Poder para retirar conteúdos negativos sobre suas carreiras do ar por meio de ações judiciais.
"Caso o direito ao esquecimento seja reconhecido, a decisão irá beneficiar as pessoas que tentam esconder informação da população", afirmou a advogada Taís Gasparian, que falou em nome da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
O advogado que representa a família Curi, Roberto Algranti Filho, afirmou que o programa sobre o caso Aída Curi foi 'muito pouco cuidadoso' e que a família teria o direito de não ter o crime relembrado sob risco de causar 'perpetuação de uma dor'. Segundo ele, o argumento de que o reconhecimento do direito ao esquecimento não atingiria a atividade da imprensa não se sustentaria.
"Refuto o argumento baseado de que políticos tentarão apagar seus malfeitos. Eles poderão até tentar, mas dificilmente conseguirão o direito ao esquecimento dada a relevância social e política do controle das atividades políticas por parte da imprensa", frisou.
O advogado Gustavo Binenbojm, que representou a Globo, afirmou ao Supremo que o reconhecimento do direito ao esquecimento equivaleria a uma 'amnésia coletiva'. "A Constituição prevê a liberdade de informar e de ser informado, independente de censura ou licença de quem quer que seja, de vítimas ou algozes, de autoridades públicas ou de pessoas privadas", afirmou.
A sessão será retomada nesta quinta, 4, com o voto de Toffoli e dos demais ministros da Corte. O ministro Luís Roberto Barroso já se declarou suspeito e não se manifestará no caso. O ministro Marco Aurélio Mello, que está internado após passar por uma cirurgia no ombro, também não deverá participar da sessão desta quinta.
Entidades de direito defenderam o esquecimento. Durante o julgamento, entidades de direito defenderam o reconhecimento do 'direito ao esquecimento' no Brasil. Segundo Anderson Schreiber, do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), a ausência de uma decisão do Supremo deixaria o direito à privacidade 'sem qualquer proteção'.
O advogado deu como exemplo o caso de pessoas que são denunciadas e, no final do processo, inocentadas e absolvidas pela Justiça. Segundo Schereiber, o reconhecimento do esquecimento não significaria a supressão de informações ou registros históricos, mas sim garantir, em alguns casos, a atualização de informações.
O ex-ministro José Eduardo Cardozo, que falou pelo Pluris - Instituto de Direito Partidário e Político, também defendeu o reconhecimento do direito ao esquecimento como 'fins de demarcação do que pode ou não ser feito em um Estado Democrático de Direito'.