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Supersalários: a elite do funcionalismo público e seus privilégios

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Por João Vestim Grande
Atualização:
João Vestim Grande. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A tecnologia, a era da informação, as boas práticas de governança e transparência, as mídias sociais e a internet têm escancarado um cenário de mordomias e privilégios para uma elite do funcionalismo público que impressiona, mas não surpreende.

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Inicialmente, é preciso distinguir a elite do funcionalismo público, que é uma minoria e consome a maior parte dos recursos, em relação aos servidores públicos em geral, como professores, policiais, agentes da saúde, e tantos outros, que representam a maioria e são mal remunerados.

A Constituição Federal estabelece um teto constitucional para remuneração de servidor público, atualmente, em R$ 39,2 mil/mês. Ora, esse é o valor máximo que todo e qualquer funcionário público deveria receber a título de remuneração pelo seu trabalho. Mas a elite do funcionalismo público não está satisfeita com esse valor e insiste em furar o teto constitucional por meio dos famosos penduricalhos, como os auxílios saúde, moradia, livro, paletó, licença remunerada para estudar no exterior, e por aí afora.

Não faltam exemplos de supersalários divulgados nos portais de transparência, grandes veículos de comunicação e mídias sociais. Em 2021, um desembargador do TJ/RO recebeu a ultrajante importância de R$ 3,1 milhões, sendo R$ 820 mil apenas em dezembro. Uma juíza de PE recebeu, apenas em novembro de 2021, R$ 1,3 milhão. Juiz do TRF1 foi agraciado com R$ 741 mil apenas em novembro passado. Um desembargador de MG recebeu R$ 563 mil em agosto de 2021. Pelo menos 10 procuradores da república receberam, cada um, mais de R$ 470 mil somente em dezembro de 2021.

Importante destacar que os privilégios não se restringem aos supersalários. No judiciário, além de um sofisticado cardápio que vai de lagosta a vinhos importados, vale lembrar que juízes têm 60 dias de férias por ano e, quando envolvidos em algum malfeito, são "punidos" com aposentadoria compulsória e salário integral. O pagador de impostos continua arcando com a remuneração de um mau servidor que sequer está prestando serviços. Um suspeito de participar de esquema que teria desviado R$ 70 milhões de Rondônia, ex-presidente do TJ/RO, recebeu uma aposentadoria de R$ 415 mil em 6 meses. Realmente, um castigo exemplar!

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Há de se rechaçar também o corporativismo que defende com unhas e dentes seus pares. Recentemente, uma canetada judicial garantiu a uma promotora pública de SP o direito de disputar as eleições em 2022 sem pedir exoneração do cargo e tampouco suspensão de remuneração. Caso a aventura eleitoreira não dê certo, a promotora não terá amargado qualquer prejuízo no recebimento de seu vultoso salário e seguirá com a estabilidade de emprego que nenhum mortal jamais terá. Que desafio motivador!

E o pior é que há projeto de lei para a tal reforma administrativa, o qual permanece tramitando no congresso nacional desde 2016, que já nasceu revestido da tradicional hipocrisia legislativa que caracteriza a política brasileira. Isso porque a proposta apresenta exceções de "caráter indenizatório" que não integram o montante de verbas sujeito aos limites de rendimentos, como os famigerados auxílios alimentação, transporte, moradia, dentre outros privilégios.

Por fim, mas não menos importante, além de uma profunda reforma administrativa que passe pela extinção dos supersalários, urge uma nova reforma previdenciária. As últimas reformas não incluíram o setor público, que é a principal causa de injustiça social. Enquanto velhinhos do Brasil inteiro, aposentados pela iniciativa privada recebem uma aposentadoria média de 1 salário mínimo, os aposentados pelo poder público recebem supersalários integrais. Isso sem mencionar as pensões de viúvas e filhas solteiras de militares, muitas delas que não se casam formalmente para permanecer recebendo o benefício de até R$ 117 mil/mês.

Ora, não parece razoável num país onde a maioria da população vive com um salário mínimo, uma casta de faraós e marajás receber supersalários que chegam a mais de R$ 1 milhão em um único mês.

Infelizmente, aqueles que detêm o poder de alterar esse cenário são os que colocam seus interesses pessoais em detrimento dos interesses coletivos. Enquanto o Brasil continuar refém do patrimonialismo, corporativismo e clientelismo que assolam o país, nada mudará. A oportunidade de melhorar essa triste e injusta realidade se aproxima, em outubro próximo, nas urnas, mediante eleição de políticos com verdadeiros compromissos públicos. Qual a dificuldade de entender que teto (constitucional) é teto? Oxalá, dias melhores com melhores políticos!

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*João Vestim Grande é advogado especializado em Direito Empresarial, pós-graduado pelo Insper e FGV

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