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Sucessão sob medida: o caso do agronegócio

Por Daniel Alt da Silva e Rodrigo Tellechea
Atualização:
Daniel Alt da Silva e Rodrigo Tellechea. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O agronegócio é o coração econômico do Brasil. As recentes notícias sobre o setor, especialmente no que tange à agricultura, são alvissareiras, com previsão de novo recorde para a safra de soja. Segundo informações da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o protagonismo do ramo vem muito bem retratado pelos números do Produto Interno Bruto (PIB): ao final de 2020, o agronegócio alcançou participação de 26,6% no PIB brasileiro, representando cerca de R$ 2 trilhões.

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Há inúmeras razões para essa franca expansão. Uma delas é o desenvolvimento tecnológico do setor. A tecnologia, afora permitir a introdução de novas técnicas que elevam a produtividade e a eficiência na agricultura e na pecuária, encurta o tempo de aproximação entre o empresário e as novas gerações, marcadas pelo senso de inovação e empreendedorismo.

Não é à toa o relevante número de startups focadas no agronegócio. A convivência entre as diferentes gerações exige a instauração de efetivo e amplo diálogo sobre os mais diversos temas do negócio, servindo até como ferramenta de mitigação de futuros conflitos e perpetuidade do próprio negócio.

O planejamento patrimonial e sucessório serve como meio de identificação de interesses pessoais, como também de instrumento apto a reconhecer aptidões, tudo com o foco na gestão de continuidade do negócio e proteção do patrimônio familiar. Do contrário, a simples sucessão natural, desprovida de mínima organização, tem o condão de pulverizar o conjunto de bens e engessar a tomada de determinadas decisões, além de propagar a oportunidade de desinteligências.

É preciso ter um olhar estratégico e sensível sobre as questões sucessórias, superando mitos e crenças arraigadas na sociedade. Superados os desafios culturais de trato com a matéria, variadas são as ferramentas à disposição do produtor rural, passando pelas mais simples às mais complexas, seja com a utilização de estruturas societárias (holding) e acordos entre herdeiros, seja com o emprego de mecanismos mais simples e habituais (doação e testamento).

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De um lado, obedecendo a certos limites impostos pela legislação, a doação permite que a propriedade, ressalvada a aplicação de algumas cláusulas restritivas e de manutenção do uso e gozo do patrimônio, seja transferida de forma imediata aos filhos, também franqueando, em alguns casos, benefício tributário. Nos contratos de doação, por exemplo, o Rio Grande do Sul tem alíquotas relativas ao imposto de transmissão (ITCMD) que variam entre 3% e 4%, a depender do valor/bem transmitido. Em contrapartida, nas transmissões causa mortis, a alíquota do imposto pode chegar a 6%, mantida a consideração acerca do valor/bem transferido ao beneficiário.

Porém, em matéria tributária, cuja competência é estadual, há sempre variações entre os Estados da Federação. No Mato Grosso, o ITCMD, tanto para doações como para transmissões causa mortis, apresenta alíquotas progressivas de 2% a 8%. A diferença reside nas faixas de escalonamento da base de cálculo. Em síntese, a doação apresenta faixa de progressão mais rigorosa, incidindo a alíquota máxima sobre valores inferiores em comparação às hipóteses de transmissão causa mortis. De toda a sorte, a questão tributária, por mais importante que se apresente, não pode ser o único fator a ser considerado.

O testamento tem fundamental importância na disposição racional dos bens para depois do falecimento, buscando evitar possíveis discussões entre os sucessores e servindo de utensílio para equalizar a distribuição dos bens. O testador, atuando como legislador do próprio patrimônio, tem a liberdade de indicar a composição dos quinhões hereditários, inclusive evitando indesejadas participações de herdeiros.

Em paralelo, a constituição de uma pessoa jurídica é mais uma alternativa, e não uma solução aplicável de maneira indistinta. A finalidade da holding, como regra, está na concentração do patrimônio familiar de modo a facilitar o respectivo controle e administração, alterando o âmbito de regulação das relações para o Direito Societário e acarretando a possibilidade de superação de alguns obstáculos impostos pelo Direito de Família e Sucessões. Em linhas práticas, os bens são integralizados no capital social da pessoa jurídica, fazendo com que o antigo titular do patrimônio passe a contar com quotas ou ações da sociedade.

Verdade seja dita, é imprescindível ter em conta que o produtor rural deve estar preparado e com ampla ciência a respeito das repercussões da escolha realizada. A operação agropecuária na pessoa jurídica acarreta a modificação da tributação das atividades, atraindo maior complexidade na apuração dos tributos quando comparada à realidade da tributação na pessoa física. É evidente que toda a engrenagem dependerá de estreito acompanhamento contábil, circunstância que, sem qualquer juízo de valor, talvez trafegue em sentido contrário à majoritária realidade do produtor rural.

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Não há modelos previamente construídos, pelo que as peculiaridades de cada família devem ser levadas em apreço, com acompanhamento especializado, sob pena de prejudicar o propósito almejado pela família. O planejamento patrimonial e sucessório é um processo dinâmico, que demanda contínua revisitação. É chegado o momento de explorar novos horizontes, romper paradigmas e permitir que o agronegócio tenha uma transição harmoniosa para as novas gerações, com a perpetuação da atividade dentro da própria família.

*Daniel Alt da Silva e Rodrigo Tellechea, sócios do escritório Souto Correa

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