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STJ encerra insegurança sobre juros de mora em compra e venda de imóvel

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Por Renata Cavalcante de Oliveira e Brenno Nogueira
Atualização:
Renata Cavalcante de Oliveira e Brenno Nogueira. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a aplicação de juros de mora deve incidir da data do trânsito em julgado da sentença nas demandas judiciais que tratam de rescisão imotivada de contratos de compra e venda de unidades imobiliárias por iniciativa do adquirente, contratos esses anteriores a lei do distrato. O entendimento foi pacificado no mês de agosto.

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A discussão sobre o tema teve início em tese fixada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, em incidente de resolução de demanda repetitiva - sistemática advinda do Novo Código de Processo Civil para uniformizar decisões em lides semelhantes - de que a incidência de juros de mora quando inexiste mora anterior da vendedora, com ou sem alteração da clausula penal, deveria incidir a partir da citação.

Inconformada com a decisão, a construtora interpôs Recurso Especial. O fundamento foi o de que a tese contrariava entendimento do STJ, que previa a fixação de juros de mora a partir do trânsito em julgado. A construtora também argumentou que a decisão violava o artigo de lei porque quando o adquirente rescinde o contrato e questiona a validade da cláusula contratual não há fato imputável à construtora para configurar a mora antes da existência de sentença condenatória.

A fim pacificar o entendimento da própria Corte, o ministro Moura Ribeiro propôs a mudança da jurisprudência do STJ fixando o termo inicial para a contagem a partir da citação, desenvolvendo o entendimento de que a sentença que determina a restituição dos valores pagos ao comprador não cria uma nova obrigação, mas apenas reconhece o dever já existente de restituir valores. Além disso, destacou que a fixação do termo inicial dos juros no trânsito em julgado propicia a adoção de um comportamento processual protelatório por parte do devedor.

A Procuradoria Geral da República também se posicionou favorável à fixação de juros de mora a contar da citação. O fundamento foi o de que a declaração da abusividade da cláusula penal com o consequente reconhecimento do pagamento inferior ao devido, em prejuízo do adquirente, é suficiente para constituir a incorporadora em mora desde a citação.

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Divergindo do entendimento do ministro Moura Ribeiro, a ministra Maria Isabel Gallotti concluiu que os juros de mora devem ser computados do trânsito em julgado da sentença.

Isso porque a ministra entende que o artigo 396, do Código Civil, é expresso em apontar que não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não há que se falar em mora. Destacou, ainda, que quando a iniciativa da rescisão do contrato parte do consumidor, sem culpa do fornecedor, não há que se falar em mora da incorporadora que vinha cumprindo regularmente o contrato.

A ministra também ressaltou que a sentença que substitui a cláusula contratual tem natureza constitutiva, na medida em que é dela que a construtora passa a saber exatamente quanto deve pagar ao adquirente. Por fim, refuta o argumento de que o termo inicial dos juros de mora contados do trânsito em julgado estimularia o manuseio de recursos protelatórios pelo devedor pois, no seu entendimento, a imobilização da unidade imobiliária em litígio não seria vantajosa para o incorporador que tem interesse em passar o imóvel para um novo interessado.

Os demais ministros acompanharam o entendimento da ministra Isabel Gallotti e deram provimento ao recurso especial interposto pela construtora.

Por se tratar de recurso repetitivo, a decisão proferida pelo STJ é de suma importância e foi extremamente positiva porque põe um ponto final no assunto e pacifica o entendimento de que para demandas que envolvem rescisão imotivada de contratos de compra e venda de imóvel na planta por iniciativa do adquirente, sem que a construtora tenha dado causa, incidirão juros de mora a contar do trânsito em julgado e não da citação. Dessa forma, uniformiza decisões em todo o país e garante, com isso, a segurança jurídica quanto ao assunto.

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Além disso, equilibra a relação entre os envolvidos, já que a incorporadora não pode ser penalizada com a incidência de juros de mora desde a citação, mais a correção monetária dos valores, quando não sabe sequer se a cláusula penal estabelecida em contrato será ou não modificada pelo Judiciário.

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Se por um lado, ao se postergar o termo inicial dos juros moratórios para a data do trânsito em julgado, poderia, em tese, propiciar a adoção de medidas protelatórias por parte do incorporador, por outro lado, também poderia se entender que a aplicação de juros de mora a contar da citação beneficiaria indevidamente o consumidor que poderia ver naquela demanda judicial, em decorrência da morosidade da justiça, um proveitoso benefício econômico, melhor do que muitos produtos disponibilizado no mercado de investimento, restituindo o valor já pago com as devidas correções e, ainda, recebendo juros de 1% ao mês.

Para essa situação melhor seria se o STJ tivesse encontrado um meio termo para início da contagem dos juros de mora, evitando, assim vantagem excessiva de ambos os lados. Ao nosso ver é na sentença que nasce a obrigação de pagar sendo somente nesse momento que a devedora toma conhecimento dos valores efetivamente devidos ao consumidor. A incidência de juros de mora a contar da sentença, somado aos mecanismos do Novo Código de Processo Civil, seja pela incidência de custas processuais e honorários de sucumbência na fase recursal, seja pela aplicação de multa por recursos protelatórios, inibiria a atuação procrastinatória de ambas as partes na condução do processo.

Vale, ainda, ressaltar que a decisão proferida recentemente pelo STJ se aplica somente para os contratos firmados antes da Lei 13.786/2018, conhecida como a Lei do Distrato e para as ações em que o consumidor pleiteia a revisão/nulidade da clausula penal por discordar do valor da multa prevista pela construtora.

Para os contratos firmados depois dessa lei já há a previsão legal do percentual que pode ser retido pelas construtoras em caso de rescisão imotivada por parte do consumidor. Nesses casos em que a construtora propõe reter valores acima do quanto previsto em lei, deverá ser aplicado os termos do artigo 397 e 405 do Código Civil incidindo os juros de mora a contar da citação.

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Por fim, em todas as situações, isto é, nos contratos firmados antes ou depois da Lei do Distrato, além dos juros de mora, os valores devolvidos deverão ser corrigidos monetariamente a partir do desembolso de cada parcela.

*Renata Cavalcante de Oliveira é advogada, sócia na área Cível e de Recuperação de Crédito do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados; Brenno Nogueira é advogado na área Cível e de Recuperação de Crédito do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados

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