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STJ confirma que não é só dinheiro que garante execuções fiscais

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Por Marcello Antonio Fiore
Atualização:
Marcello Antonio Fiore. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Há tempos os advogados têm enfrentado uma batalha árdua no judiciário para fazer valer o princípio da menor onerosidade que impõe que, a execução, e obviamente a constrição de bens garantidores do pagamento, transcorra da maneira economicamente menos impactante para o devedor.

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Não se trata de um princípio vazio que, aos olhos do leigo, ou, tendenciosamente, do credor, dão motivo para a insegurança jurídica das cobranças diminuindo a credibilidade do sistema judiciário brasileiro, mas sim um princípio que respeita a constituição preservando a vida da empresa como fonte geradora de renda e do trabalho.

Não bastasse a luta pelo respeito à menor onerosidade, vemos ainda um judiciário tendencioso às penhoras exclusivamente em dinheiro nas execuções fiscais, como se o contribuinte estivesse sempre escondendo moedas para se esquivar do pagamento de suas obrigações, e isso não é uma verdade absoluta.

Muitas vezes o contribuinte, empresário sério, tem que escolher se paga a folha de salários ou liquida os impostos, especialmente nos recentes tempos de crise econômica que só não superou a grande recessão econômica de 2015/2016, já que em 2020, no auge da crise, a receita federal encerrou uma arrecadação de R$ 1,526 trilhão em impostos e contribuições, uma queda real de 6,91% em relação ao ano anterior, ao passo que o percentual no final da crise econômico-brasileiro de 2015 a queda foi equivalente a 8,4% na arrecadação, portanto, não se trata de esconder moedas que não existem, mas sim de sobreviver à segunda maior crise da história do país.

O judiciário primário e secundário, alheio às decisões dos tribunais superiores - STF e STJ - continua em seu discricionarismo liberal, permitindo que magistrados julguem temas já pacificados de acordo com as suas próprias consciências e não de acordo com os precedentes que emergem da maior entrância, obrigando o contribuinte a interpor recursos recorrentes para defender direitos que deveriam estar pacificados já no primeiro grau.

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Ampla defesa, acesso à justiça, contraditório e devido processo legal. Mais princípios que rotineiramente são desrespeitados nas execuções fiscais em nome das numerosas tentativas de penhora em dinheiro na conta do contribuinte, como se essa fosse a única maneira de garantir a execução e apresentar questionamentos à cobrança.

Onde foi parar a ordem de preferência contida no artigo 11 da Lei 6830/1980 - que determina que além de dinheiro (referencialmente, mas não exclusivamente) o contribuinte pode oferecertítulos da dívida pública, títulos de crédito que tenham cotação em bolsa, pedras e metais preciosos, imóveis, navios e aeronaves, veículos, móveis ou semoventes e direitos e ações (exatamente nessa ordem) para garantir as cobranças e questionar valores da Certidão de Dívida Ativa, a existência de créditos compensáveis ou mesmo a ocorrência de prescrição - que garante ao contribuinte acesso à justiça, contraditório e ampla defesa?

É exatamente nessa linha que o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento inédito, contrariou a postura majoritária da primeira e segunda instâncias e decidiu no AgResp 2.058.495 - SP, que o executado tem direito de oferecer à penhora bem constante da relação contida no artigo 11, da Lei 6830/80, de valor suficiente à garantia integral do juízo para discussão de seus supostos débitos.

A fazenda exequente, inclusive, não pode, por mera liberalidade, rejeitar a garantia nessas circunstâncias. "Nesse cenário, a exigência de garantia integral em dinheiro, como quer a credora, se mostra ilegal, abusiva e ofensiva ao contraditório, além de submeter o direito de defesa da empresa contribuinte à conveniência da parte contrária, o que é manifestamente inadmissível" como relatou com maestria e precisão cirúrgica o Presidente Humberto Martins.

Preserva-se o direito à ampla defesa, o acesso à justiça e o devido processo legal, do contribuinte que garantiu a integralidade de seu débito, não com dinheiro, mas com bens suficientes para liquidar a execução no caso de improcedência de seus argumentos.

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Esperemos que essa decisão sirva de paradigma para as instâncias inferiores, especialmente para se evitar um mar de recursos ao STJ tratando dessa mesma matéria, tão cara ao contribuinte que deseja discutir seus débitos de boa-fé, oferecendo meios para a satisfação do débito.

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Recursos frequentes e em grande volume custam toneladas de dinheiro ao poder público, e desconsiderar as decisões paradigmas proferidas pelas cortes superiores é obrigar o contribuinte a defender seus direitos básicos até último grau, portanto, aceitar uma garantia para discussão do débito fiscal, além de respeitar a ampla defesa pode ser economicamente muito mais eficiente para o Estado que, em caso de vitória, terá um bem que poderá transformar em dinheiro, o que é economicamente muito mais robusto do que insistir na penhora integral de moeda que nem sempre existe nas contas do contribuinte.

Não é só dinheiro que garante execuções fiscais, e isso deve ficar mais claro a partir de agora, em nome das garantias constitucionais do contraditório em ampla defesa, e da economia processual e da estabilidade jurídica que permeia as cobranças, tornando-as mais efetivas com a realização de ativos quando for o caso.

*Marcello Antonio Fiore, advogado pela PUC-SP. Especialista em Direito Econômico e Financeiro pela PUC-SP. Pós-Graduado em Business Administration pela Harvard Business School. Pós-Graduado em Filosofia do Direito (Justice) pela Harvard University. Mestrando em Direito Justiça e Impactos na Economia pelo CEDES SP. Professor de Direito Constitucional Econômico e Análise Econômica do Direito

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