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STJ afasta presunção de dano moral em casos de atraso ou cancelamento de voo

Por Luciana Goulart Penteado e Victor Hanna
Atualização:
Luciana Penteado e Victo Hanna. Foto: Divulgação

Recentemente, importantes decisões foram proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de modo a afastar a presunção de dano moral em casos de atraso ou cancelamento de voo, alterando, assim, o entendimento com relação ao tema. Isso porque, em decisões do STJ prolatadas, principalmente, entre os anos de 2009 e 2014, envolvendo percalços relacionados ao transporte aéreo de passageiros, o dano moral foi considerado in re ipsa, ou seja, concedido independentemente de comprovação.

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Entretanto, em 2018, ao julgar o REsp 1.584.465 , a ministra Nancy Andrighi trouxe uma nova interpretação sobre a questão, a qual foi levada para julgamento colegiado da Terceira Turma. De acordo com a ministra, a alegação de dano moral presumido exige ponderações, especialmente porque não seria razoável que uma situação corriqueira dos aeroportos brasileiros ensejasse, de plano, dano moral a ser compensado.

Ainda, segundo a ministra, a caracterização do dano presumido não pode ser dilatada a ponto de afastar a necessidade de sua efetiva demonstração em qualquer situação. Mais recentemente, em 2019, ao analisar o recurso (REsp 1.796.716) interposto por um passageiro que enfrentou o cancelamento de um voo doméstico, a Terceira Turma do STJ reafirmou o entendimento de que o atraso ou cancelamento de voo não configura dano moral presumido e, por isso, a indenização somente será devida se comprovado algum fato extraordinário que tenha trazido abalo psicológico ao consumidor.

Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, em tais situações é preciso verificar todas as circunstâncias que envolvem o caso, incluindo: o tempo que a companhia aérea levou para solucionar o problema; as informações prestadas e as alternativas oferecidas aos passageiros; o oferecimento de suporte material; e se o passageiro perdeu algum compromisso inadiável no destino em razão do atraso em sua chegada.

A ministra Nancy Andrighi destacou julgados do STJ nos quais houve a comprovação do dano sofrido e, consequentemente, a procedência do pedido de indenização. Todavia, destacou que, no caso concreto, não foram apresentados elementos que demonstrassem os possíveis danos de ordem moral causados ao consumidor.

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A ministra advertiu que não se discute que a responsabilidade pelo atraso, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, seja da companhia aérea, mas tal constatação não significa reconhecer, de forma automática, o dano moral indenizável.

Mas o que isso efetivamente representa para o setor aéreo brasileiro?

Por óbvio, o dano moral presumido há anos assola as empresas do setor aéreo que prestam serviço no Brasil. Isso porque, o instituto se tornou corriqueiro e se encontra banalizado em razão das infinitas e arbitrárias decisões judiciais que concedem elevadas condenações aos consumidores, sem, contudo, analisar de forma plena a sua real procedência.

A título exemplificativo, não raramente nos deparamos com decisões que condenam as companhias aéreas ao pagamento de indenizações que giram em torno de R$ 10.000,00 em casos de pequenos atrasos de voo, sem que haja a mínima apresentação de prova do suposto abalo moral sofrido pelo consumidor. Tal fato é agravado ao multiplicarmos esse montante pelas diversas ações indenizatórias ajuizadas pelos quatro cantos do País e que, por certo, causam intensa preocupação aos players do setor aéreo.

Desse modo, resta claro que o instituto do dano moral não pode ser desvirtuado para satisfazer interesses gananciosos daqueles que se aproveitam do acesso à justiça para transformar indenizações judiciais em excelentes negócios. Aliás, para evitar abusos e excessos, deve-se reputar como dano moral apenas a dor, vexame, sofrimento ou humilhação, que fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo.

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Em que pese todas as controvérsias que envolvem a questão dos danos morais, certo é que o tema causa um impacto financeiro considerável para todas as empresas que operam no Brasil e, assim, a mudança jurisprudencial promovida pelo STJ aproxima o setor aéreo do reequilíbrio da relação jurídica estabelecida pelo contrato de transporte, que possui volumosos custos operacionais embutidos, beneficiando, ainda que indiretamente, os próprios passageiros.

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Tal entendimento será adotado não apenas como paradigma para os julgamentos das instâncias inferiores, mas também, do ponto de vista jurídico, poderá constituir um ponto adicional para a admissão de recursos especiais a serem analisados pelo próprio STJ.

Por fim, havendo a pacificação do tema e a consequente segurança jurídica necessária, o Brasil poderá avançar mais um passo rumo à solidificação como potência no cenário de transporte aéreo de passageiros e, certamente, atrairá a atenção de investidores em escala global, expandindo, por consequência, a economia nacional.

* Luciana Goulart Penteado e Victor Hanna, advogados

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