A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) absolveu nesta terça, 27, um homem condenado por assalto com base exclusivamente em reconhecimento por fotografia. A pena havia sido fixada em cinco anos e quatro meses de prisão e motivou habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública de Santa Catarina em julho deste ano.
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O HABEAS DA DEFENSORIANos autos, os defensores apontam que o réu foi condenado somente 'com base em reconhecimento fotográfico extrajudicial realizado pelas vítimas', que também alegaram que o suspeito teria 1,70m de altura. No entanto, o homem que foi identificado e condenado pelo crime tem 1,95m.
O ministro Rogério Schietti Cruz, relator do habeas corpus, suspendeu a execução da pena no início deste mês. Durante o julgamento, ele apontou a insuficiência de provas apresentadas para além do reconhecimento por foto, destacando que o caso mostra a necessidade da atuação do STJ para 'prevenir' situações semelhantes envolvendo reconhecimentos fotográficos de suspeitos.
"É uma prova que mesmo quando atende os requisitos legais, ainda assim é uma prova que jamais pode ser a única", afirmou Schietti. "O que precisamos é sair dessa prova oral, dessa comodidade de achar que confessou ou que fez o reconhecimento, acabou. A Polícia e o Ministério Público estão desincumbidos de se esforçar e de fazer um esforço argumentativo maior para comprovar os fatos que alega em uma denúncia".
O ministro Antônio Saldanha reforçou a manifestação de Schietti, destacando que este tipo de reconhecimento 'historicamente traz questionamentos'. "Essa distorção, que é da nossa própria memória, nos traz a insegurança", pontuou. "Eu sou um péssimo fisionomista, eu confundo as pessoas, ainda mais em fotografia, e isso levar a erro do Judiciário é marcante e dramático para quem está do outro lado da linha".
A ministra Laurita Vaz também votou pela absolvição, defendendo a adoção de mais critérios na colheita de provas por reconhecimento por foto. O ministro Sebastião Reis, por sua vez, afirmou que cabe ao Judiciário estabelecer tais limites.
"A cada momento que endossamos os procedimentos feitos em desconformidade com o que a lei impõe, nós estamos passando a mão nessa falta de estrutura. Estamos incentivando que tanto polícia quanto Ministério Público continuem sem procurar a se estruturar de forma a aplicar a lei como foi pensada pelo nossos legisladores", afirmou.
O ministro Nefi Cordeiro também votou para absolver o homem, abrindo divergência somente quanto à extensão das conclusões de Schietti sobre o caso. No seu voto, o relator pontuou que o reconhecimento por foto deve seguir critérios legais e não pode ser usado exclusivamente como prova, mesmo quando confirmada em juízo. Em caso de descumprimento desses critérios, o reconhecimento fotográfico não deve ser reconhecido.
Na visão de Cordeiro, o melhor entendimento seria de que quanto maior o grau de descumprimento das normas legais, menos será o grau de admissão da prova, e não uma rejeição automática.
COM A PALAVRA, MARCOS CAMARGO, PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PERITOS CRIMINAIS FEDERAIS
"A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF) saúda a decisão tomada nesta 3ª feira (27/10) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que o reconhecimento facial respeite o procedimento estabelecido pelo Art. 226 do Código de Processo Penal (CPP), sob pena de se tornar prova ilegítima. Trata-se de um julgado que afasta interpretações equivocadas sobre a legislação penal e valoriza o Estado de Direito como condutores dos processos criminais.
Cabe aqui o reconhecimento ao trabalho de excelência feito pelo ministro Rogério Schietti, relator do caso na 6ª turma do STJ.
A decisão reforça a necessidade de cuidado na produção das provas e que o trabalho da perícia oficial, em que pese não seja objeto desse julgado, é uma ferramenta imprescindível
É válido sempre salientar que as provas circunstanciais, como reconhecimento visual e depoimentos de delatores e de testemunhas, são instrumentos válidos, mas que devem ser usados junto com outros elementos.
A prova material, por outro lado, produzida pela perícia oficial, com base na ciência, isenta e equidistante das partes, é objetiva e desprovida dos elementos de subjetividade das provas circunstanciais. E, por isso, é priorizada pelo Código de Processo Penal como elemento probatório cuja ausência pode, inclusive, implicar em nulidades."
Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)