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STF sob ataque

Por Luiza Oliver e Maria Jamile José
Atualização:
Luiza Oliver e Maria Jamile José. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Fogos de artifício com mensagens ameaçadoras. Tochas e máscaras. Gritos de guerra. Promessas de descumprimento de decisões por parte do mandatário maior da República. Nosso Supremo Tribunal Federal se encontra sob ataque.

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Não é de hoje, é verdade: já faz alguns anos que senhoras e senhores vestindo camisas da seleção brasileira desfilam pelas avenidas das principais cidades do país bradando palavras de ordem contra a Corte Suprema, acompanhados de caminhões de som que clamam pela volta de períodos obscuros da história do país. Já faz alguns anos, também, que políticos de famílias cariocas com longos tentáculos políticos dão dicas de como fechar o STF. Bastaria um soldado e um cabo, dizia um às vésperas do segundo turno das eleições de 2018. Nada disso é novo. O que é novo, além da assustadora virulência das investidas, é sua aparente institucionalização, o endosso expresso do chefe do Executivo Federal.

Assistimos a um perigoso movimento coordenado e concreto de desestabilização e questionamento do próprio Estado Democrático de Direito. Quem coreografa e desfere os atuais golpes parece desprezar abertamente a democracia - mais, parece não desejá-la.

E é exatamente por isso que o alvo escolhido é o Supremo Tribunal Federal, justamente a Corte encarregada de proteger a ordem democrática.

De fato, nosso STF, Tribunal Constitucional que é, figura como pilar e guardião da Constituição Federal Brasileira; é quem fala por ela, atuando diretamente no resguardo da separação de poderes e do federalismo, na proteção aos direitos fundamentais e no controle do funcionamento das instituições democráticas.

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Dessa forma, cabe ao STF o controle de constitucionalidade dos atos dos demais Poderes (judicial review). Por isso, é ele que detém, no exercício de sua jurisdição constitucional, "o monopólio da última palavra sobre o que é constitucional e que não é constitucional em nosso país", conforme ressaltou o decano da Corte, Ministro Celso de Mello.

De se frisar que esse modelo, longe de ser uma "jabuticaba" brasileira, é adotado em diversos outros países, como Estados Unidos e Alemanha, revelando-se um importante mecanismo para a proteção dos direitos e garantias individuais e dos princípios constitucionais.

Não obstante, sustenta-se, para justificar os ataques que lhes são desferidos, que a Corte estaria se sobrepondo aos demais Poderes da República, interferindo em suas atribuições exclusivas, especialmente do Poder Executivo - ou, nas palavras do vice-presidente Mourão, de que o STF estaria "chutando, cabeceando e fazendo o gol". Essa aventada interferência indevida, autorizaria, segundo nosso Presidente da República, o descumprimento das decisões judiciais. Em suas palavras, "ordens absurdas não se cumprem".

As afirmações preocupam tanto pelos equívocos em suas premissas, como, principalmente, pelo risco democrático que representam.

É preciso ter claro que o ordenamento pátrio prevê diversos instrumentos processuais voltados à fiscalização da constitucionalidade dos atos do Poder Público (inclusive do Poder Executivo) e à proteção dos direitos fundamentais, como o mandado de segurança, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de injunção, a ação civil pública, a ação popular, a ação direta de inconstitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a ação declaratória de constitucionalidade e a arguição de descumprimento de preceito fundamental. Assim, diferentemente do que fazem crer as falas do Presidente e de seus apoiadores, os atos praticados pelos demais Poderes da República, ainda que tenham algum viés ou caráter político, estão sujeitos ao escrutínio constitucional do STF, sem que isso signifique intervenção ilegítima em suas atividades.

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Isso não quer dizer, à evidência, que o STF pode assumir para si as atividades típicas de outros Poderes, já que "indubitavelmente a justiça não pode conhecer dos casos que forem exclusivos e absolutamente políticos, mas a autoridade competente para definir quais são os casos políticos e casos não políticos é justamente essa justiça suprema" (Rui Barbosa). É que, continua Rui Barbosa, "em todas as organizações políticas ou judiciais há sempre uma autoridade extrema", a quem cabe, inclusive, "errar em último lugar".

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Isso significa que, ainda que se tenha críticas a determinadas decisões do Supremo e que se possa considerá-las "absurdas", nada justifica o seu não cumprimento, especialmente por parte do chefe maior do Poder Executivo. Afinal, a conclamação pelo desrespeito à autoridade das decisões da Corte Constitucional é sinônimo da conclamação pelo desrespeito à própria Constituição - e à democracia.

Até porque, vale lembrar que os onze Ministros que compõem nossa Corte Suprema apenas passam a integrá-la após a indicação do chefe do poder Executivo e sabatina do Senado - sistemática que, por si só, reveste de legitimidade as decisões por eles proferidas.

Chama a atenção, ainda, que muitas das críticas dirigidas ao Supremo deem-se em razão de decisões monocráticas de ministros, passíveis de recurso para o colegiado. Não obstante, o Presidente da República e seus seguidores, ao invés de "recomendarem" a legítima utilização dos mecanismos legais para impugnação dessas decisões, ameaçam com o rompimento da ordem democrática, por meio do desrespeito à autoridade do Judiciário.

Aliás, a bem da verdade, não importa muito aqui a natureza da decisão, se monocrática ou colegiada. Em ambos os casos, há mecanismos legais para fazer cessar qualquer eventual excesso ou intervenção indevida do poder Judiciário, todos previstos em lei e absolutamente legítimos - ao contrário do que ocorre com o inaceitável descumprimento de decisões judiciais.

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Mais parece, assim, que a justificativa apresentada para o não cumprimento das decisões - de que o STF estaria violando a separação dos poderes - não passa de uma desculpa para violar essa separação, rompendo com o imprescindível mecanismo de freios e contrapesos que, ao fim e ao cabo, viabiliza o próprio regime democrático.

Como nos lembram nossos professores, um país sem memória é um país sem história. Aqui, não se pode esquecer que nosso Supremo Tribunal Federal, nos moldes atuais, foi concebido como reação à hipertrofia experimentada pelo Poder Executivo durante o período militar - época em que o Poder Judiciário permaneceu, em grande medida, submetido aos desígnios do Chefe de Estado.

A Constituição Federal de 1988 veio para redistribuir o poder político de forma equânime entre os três poderes e garantir a independência do Tribunal Constitucional. Não é de se espantar, portanto, que alguém que deseje novamente desequilibrar a balança mire, justamente, no seu guardião.

*Luiza Oliver, advogada criminalista, mestre em Direito Penal pela Universidade de Nova York (NYU) e sócia do escritório Toron, Torihara e Cunha Advogados

*Maria Jamile José, advogada criminalista, mestre em Direito Processual pela Universidade de São Paulo (USP) e sócia-fundadora do escritório Maria Jamile José Advocacia

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